sexta-feira, 21 de junho de 2013

Além do silêncio das cidades


Há algum tempo atrás, andando pelas ruas de cidades do país e da nossa Curitiba vi um povo em silêncio, olhando para o chão, vi que havia muito barulho dos carros e ônibus, mas um silêncio muito grande por parte do Ser Humano, o qual tomei por excessivamente insatisfeito, preocupado, massificado, amassado, mergulhado em seus problemas, numa solidão atolada em um barulho interno de grande intensidade, todavia, paradoxalmente num silêncio de quem já está sufocado. Escrevi então algo para me ajudar a meditar, sem a pretensão de que virasse um texto a publicar. Com os recentes tumultos em outros países e agora no Brasil resgatei o texto, que achei ainda interessante. Talvez alguém queira ler.

Em 1968, a juventude francesa revoltou-se por um mundo novo. A onda espalhou-se internacionalmente como uma segunda Revolução Francesa. O mundo mudou para um sentido mais democrático e participativo, todavia, dentro dos estreitos limites que a limitada conjuntura mundial oferecia.
Desde então, o mundo material vem mudando a passos largos mediante novas tecnologias e novos equipamentos; proliferaram as fontes de informação com a internet e o twitter que facilmente se sobrepõem com força aos centralizados meios de controle de informações. A globalização criou o internacionalização incontrolável dos dados e o acesso fácil pela população.

A juventude e o povo, no entanto, seguem condicionados pelas forças do materialismo e do implacável individualismo num silêncio ainda pouco analisado. As questões pendentes para cada indivíduo acumulam-se. Questões da vida material com reflexos sérios ou não, mas engolidas e mastigadas na individualidade de cada um. Aumenta a ansiedade e a angústia. Só em episódios isolados demonstram seu desconforto com a vida que todos estão contribuindo a moldar. Se a fala é muda, o choro aparece em forma de agressão individual, crimes hediondos, incontida raiva contra o Próximo, tumultos gerados por pouca coisa, manifestações que se tornam em guerra campal descontrolada. O fato é que algo está sendo dito, alguém está falando, por razões que vão além do problema material identificado como causa para o protesto e reportado nos meios de comunicação. Algo mais está sendo dito, alguém está falando seriamente, sem palavras.

Quando uma criança chora, está reclamando de algo que não sabe expressar com palavras; o jovem picha, briga; o adulto revolta-se em silêncio; a população fala através de ações e reações mudas. Subliminarmente, o discurso é de revolta contra o culpado. Tem que haver um culpado seja lá quem for, geralmente são eleitos o Governo e as autoridades, as instituições etc que são promotores da organização material da sociedade. A culpa, a razão do desconforto tem que estar nas condições materiais, a falta de dinheiro no bolso, a falta de emprego etc, pois o materialismo leva a isto. Na ótica materialista é o material que gera o homem e seu pensamento.

Mas no movimento humano atual, que seja chamado de pós-moderno, estamos mais a caminho de retroagir ao das cavernas do que possamos pensar. O individualismo é o centro filosófico do problema. Cada pessoa isoladamente pensa em suas condições sofríveis, dá uma justificativa material, mas sabe que há algo mais fundo, que não consegue exprimir em palavras em sua rotina e cabeça condicionada, porque já não sabe bem escrever ou coordenar seu pensamento analiticamente; há um vazio barulhento, desordenado que o carro novo ou o dinheiro grande e a viagem ao exterior não conseguiu afastar. O grito de cada um é surdo, aparece na insatisfação constante, na intolerância, na impaciência, na falta de esclarecimento e de discernimento. Aparece na ação e reação impensada, pois o pavio é curto, imediatista. A pedra jogada pelo manifestante anônimo atinge o Próximo e suas coisas, resolve algo? Nada. É só desabafo para questões mal resolvidas, pendentes, pessoais ou não. Um protesto contra a condição pessoal, seu lar, sua família, suas contas, seu salário, a violência, suas incompreensões e apreensões quanto a vida e o futuro, contra as injustiças e iniquidades de que tem notícia, coisas da vida política que não vê resolvidas etc, mas certamente pouco há com o motivo concreto que justifica a manifestação pública pontual. Quantos adultos não jogariam a mesma pedra moral? Todos e qualquer um teriam suas razões, mas não o fazem. Preferem silenciar. O estudante o faz porque está ainda mais livre, só ainda. Nem sabe nem pensa no que estão fazendo com suas mentes num condicionamento que aos poucos retira a própria liberdade de pensar livremente fora dos limites do sistema individualista e materialista que a todos embota.

A robotização e a massificação das cabeças tornam-se fáceis, um indivíduo afasta-se do outro como Ser, mas unem-se no material e pelo material, persiste a ansiedade, a angústia de um vazio barulhento que existe no interior de cada um à espera de um episódio que possa ser utilizado como descompressão, desabafo. Havendo episódio coletivo, nasce então a oportunidade para um choro social coletivo, que revela-se como convergência das reclamações individuais. Um vulcão feito de milhares de pequenas erupções que aparece na rua, na praça, na avenida e assume o caráter de protesto controlado ou descontrolado contra a polícia, representante de todos os pretensos culpados que cada um possa ter para motivar sua violência contra o Próximo e suas coisas materiais. E o movimento não precisa mais de liderança, surge do silêncio da pressão de cada um e reúne-se ao dos demais. Como o invasor colonial sempre procurava um índio que fosse chefe, agora os meios de comunicação procuram um líder; o líder surge só no momento da manifestação ou após sem partido, sem cara, popular na essência.

O individualismo é mestre nisto. Isola o indivíduo, quer torná-lo autossuficiente, um todo que se gera e se basta socialmente. Como robot produtivo basta ter um computador e resolverá o mundo. As consequências disto são desastrosas num país de brasileiros, onde a desensibilização do indivíduo ainda está sendo implantada. Há inúmeros exemplos disto, mas não é aqui o local para tal análise, a qual comportaria muitas folhas, que certamente ninguém iria ler, por falta de tempo, por impaciência, marcas registradas do tempo do twitter e do face book, onde mais de três linhas já é muito, chato.

O que basta dizer é que mesmo dentro do materialismo crescente e do individualismo, a juventude alargada até os 30 anos e o cidadão posterior estão falando através de mensagens subliminares que revelam um desabafo, uma frustração que está longe da simples razão concreta pontuada pelos meios de comunicação.

O silêncio individual para o mundo vem de dentro, do barulho que existe em cada um da população, em cada indivíduo silenciado e enroscado em algo mais que não será consertado por nenhum governo. Há muito mais como razão. Quando há episódios coletivos, o silêncio de cada um fala na arruaça, quando não há, fica como barulho interno de insatisfação, escapando para algum tipo de extravazamento individual e violência particular. O resultado em qualquer caso não beneficia ninguém, é negativo, não cria harmonia, não constrói nada. Diminui o Brasil , a cidade , o bairro , o lar de cada um.

Basta pensar no que vem ocorrendo há décadas. Mas quem pensa além do seu próprio e individual umbigo? Até agora o nosso país contou com a sorte de ser muito grande, de haver fontes fortes de desconcentração, até a alienação popular e o analfabetismo contribuem para a desconcentração dos protestos e o esvaziamento de qualquer movimento. Mas até quando? Ainda há tempo para começar uma reflexão maior, coletiva e individual. O silêncio individual tem ruído atordoante e derrota qualquer um. A violência é o pior caminho, qualquer tipo dele e em qualquer lugar, mas é reação humana e existe como incontido desabafo.


Silêncio da cidade


um silêncio engolido,
todo dia por muita gente,
pelo cidadão comprimido.

Silêncio dos inocentes,
dos justos, dos que trabalham ,
silêncio escondido nas mentes.

Vão todos com este silêncio, mudos,
a violência ,o medo do Próximo ,
na rua , nas empresas , atrás dos muros.

Silêncio que coexiste por detrás
dos ruídos da cidade ,
atrás das consequências que ela traz.

Vamos todos assim,
empurrando, carregando,
um silêncio que vive assim.

Silêncio que vive em cada conflito,
em cada acidente, em cada murro na cara,
em cada tiro da mente, coisa pessoal, aflito.

Muitos são os sons do silêncio,
que matam, que machucam,
que andam pela cidade em silêncio.

Até quando haverá
esse silêncio,
até quando cada um suportará?

O som deste silêncio cresce,
invade ruas, casas e lares
e a realidade desce
para inferiores patamares.

Ninguém mais escapa,
o silêncio invade a Serenidade
e o que resta é uma capa,
um parecer em cada idade.

Quando ando sobre pedras em ruas,
vendo grades e muros,
vejo realidades nuas,
de um silêncio em tons duros.

O silêncio das buzinas, dos motores,
de pessoas em ambulâncias barulhentas,
das sirenes e alarmes,
a cidade em silêncio grita suas dores.

E assim vou andando ,
escrevo e digo coisas em silêncio
e as pessoas vão passando,
fazendo barulho, mas repletas de silêncio.

Ruas e praças, corredores da vida,
dobram-se ao silêncio da cidade,
que ecoa num movimento de ida
e realiza-se e quebra-se em verdade.

Teatros, shows e TV para milhares de pessoas,
e um só silêncio coexistindo,
um algo escondido que une todas
e uma existência se esvaindo.

Escutem o barulho da cidade,
é fruto de um silêncio que está matando,
acabando com a humanidade,
porque no fundo as pessoas estão falando.


Odilon Reinhardt

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