Há
algum tempo atrás, andando pelas ruas de cidades do país e da nossa
Curitiba vi um povo em silêncio, olhando para o chão, vi que havia
muito barulho dos carros e ônibus, mas um silêncio muito grande por
parte do Ser Humano, o qual tomei por excessivamente insatisfeito,
preocupado, massificado, amassado, mergulhado em seus problemas, numa
solidão atolada em um barulho interno de grande intensidade,
todavia, paradoxalmente num silêncio de quem já está sufocado.
Escrevi então algo para me ajudar a meditar, sem a pretensão de que
virasse um texto a publicar. Com os recentes tumultos em outros
países e agora no Brasil resgatei o texto, que achei ainda
interessante. Talvez alguém queira ler.
Em
1968, a juventude francesa revoltou-se por um mundo novo. A onda
espalhou-se internacionalmente como uma segunda Revolução Francesa.
O mundo mudou para um sentido mais democrático e participativo,
todavia, dentro dos estreitos limites que a limitada conjuntura
mundial oferecia.
Desde
então, o mundo material vem mudando a passos largos mediante novas
tecnologias e novos equipamentos; proliferaram as fontes de
informação com a internet e o twitter que facilmente se sobrepõem
com força aos centralizados meios de controle de informações. A
globalização criou o internacionalização incontrolável dos dados
e o acesso fácil pela população.
A
juventude e o povo, no entanto, seguem condicionados pelas forças do
materialismo e do implacável individualismo num silêncio ainda
pouco analisado. As questões pendentes para cada indivíduo
acumulam-se. Questões da vida material com reflexos sérios ou não,
mas engolidas e mastigadas na individualidade de cada um. Aumenta a
ansiedade e a angústia. Só em episódios isolados demonstram seu
desconforto com a vida que todos estão contribuindo a moldar. Se a
fala é muda, o choro aparece em forma de agressão individual,
crimes hediondos, incontida raiva contra o Próximo, tumultos gerados
por pouca coisa, manifestações que se tornam em guerra campal
descontrolada. O fato é que algo está sendo dito, alguém está
falando, por razões que vão além do problema material identificado
como causa para o protesto e reportado nos meios de comunicação.
Algo mais está sendo dito, alguém está falando seriamente, sem
palavras.
Quando
uma criança chora, está reclamando de algo que não sabe expressar
com palavras; o jovem picha, briga; o adulto revolta-se em silêncio;
a população fala através de ações e reações mudas.
Subliminarmente, o discurso é de revolta contra o culpado. Tem que
haver um culpado seja lá quem for, geralmente são eleitos o Governo
e as autoridades, as instituições etc que são promotores da
organização material da sociedade. A culpa, a razão do desconforto
tem que estar nas condições materiais, a falta de dinheiro no
bolso, a falta de emprego etc, pois o materialismo leva a isto. Na
ótica materialista é o material que gera o homem e seu pensamento.
Mas
no movimento humano atual, que seja chamado de pós-moderno, estamos
mais a caminho de retroagir ao das cavernas do que possamos pensar. O
individualismo é o centro filosófico do problema. Cada pessoa
isoladamente pensa em suas condições sofríveis, dá uma
justificativa material, mas sabe que há algo mais fundo, que não
consegue exprimir em palavras em sua rotina e cabeça condicionada,
porque já não sabe bem escrever ou coordenar seu pensamento
analiticamente; há um vazio barulhento, desordenado que o carro novo
ou o dinheiro grande e a viagem ao exterior não conseguiu afastar. O
grito de cada um é surdo, aparece na insatisfação constante, na
intolerância, na impaciência, na falta de esclarecimento e de
discernimento. Aparece na ação e reação impensada, pois o pavio
é curto, imediatista. A pedra jogada pelo manifestante anônimo
atinge o Próximo e suas coisas, resolve algo? Nada. É só desabafo
para questões mal resolvidas, pendentes, pessoais ou não. Um
protesto contra a condição pessoal, seu lar, sua família, suas
contas, seu salário, a violência, suas incompreensões e apreensões
quanto a vida e o futuro, contra as injustiças e iniquidades de que
tem notícia, coisas da vida política que não vê resolvidas etc,
mas certamente pouco há com o motivo concreto que justifica a
manifestação pública pontual. Quantos adultos não jogariam a
mesma pedra moral? Todos e qualquer um teriam suas razões, mas não
o fazem. Preferem silenciar. O estudante o faz porque está ainda
mais livre, só ainda. Nem sabe nem pensa no que estão fazendo com
suas mentes num condicionamento que aos poucos retira a própria
liberdade de pensar livremente fora dos limites do sistema
individualista e materialista que a todos embota.
A
robotização e a massificação das cabeças tornam-se fáceis, um
indivíduo afasta-se do outro como Ser, mas unem-se no material e
pelo material, persiste a ansiedade, a angústia de um vazio
barulhento que existe no interior de cada um à espera de um episódio
que possa ser utilizado como descompressão, desabafo. Havendo
episódio coletivo, nasce então a oportunidade para um choro social
coletivo, que revela-se como convergência das reclamações
individuais. Um vulcão feito de milhares de pequenas erupções que
aparece na rua, na praça, na avenida e assume o caráter de protesto
controlado ou descontrolado contra a polícia, representante de todos
os pretensos culpados que cada um possa ter para motivar sua
violência contra o Próximo e suas coisas materiais. E o movimento
não precisa mais de liderança, surge do silêncio da pressão de
cada um e reúne-se ao dos demais. Como o invasor colonial sempre
procurava um índio que fosse chefe, agora os meios de comunicação
procuram um líder; o líder surge só no momento da manifestação
ou após sem partido, sem cara, popular na essência.
O
individualismo é mestre nisto. Isola o indivíduo, quer torná-lo
autossuficiente, um todo que se gera e se basta socialmente. Como
robot produtivo basta ter um computador e resolverá o mundo. As
consequências disto são desastrosas num país de brasileiros, onde
a desensibilização do indivíduo ainda está sendo implantada. Há
inúmeros exemplos disto, mas não é aqui o local para tal análise,
a qual comportaria muitas folhas, que certamente ninguém iria ler,
por falta de tempo, por impaciência, marcas registradas do tempo do
twitter e do face book, onde mais de três linhas já é muito,
chato.
O
que basta dizer é que mesmo dentro do materialismo crescente e do
individualismo, a juventude alargada até os 30 anos e o cidadão
posterior estão falando através de mensagens subliminares que
revelam um desabafo, uma frustração que está longe da simples
razão concreta pontuada pelos meios de comunicação.
O
silêncio individual para o mundo vem de dentro, do barulho que
existe em cada um da população, em cada indivíduo silenciado e
enroscado em algo mais que não será consertado por nenhum governo.
Há muito mais como razão. Quando há episódios coletivos, o
silêncio de cada um fala na arruaça, quando não há, fica como
barulho interno de insatisfação, escapando para algum tipo de
extravazamento individual e violência particular. O resultado em
qualquer caso não beneficia ninguém, é negativo, não cria
harmonia, não constrói nada. Diminui o Brasil , a cidade , o bairro
, o lar de cada um.
Basta
pensar no que vem ocorrendo há décadas. Mas quem pensa além do seu
próprio e individual umbigo? Até agora o nosso país contou com a
sorte de ser muito grande, de haver fontes fortes de desconcentração,
até a alienação popular e o analfabetismo contribuem para a
desconcentração dos protestos e o esvaziamento de qualquer
movimento. Mas até quando? Ainda há tempo para começar uma
reflexão maior, coletiva e individual. O silêncio individual tem
ruído atordoante e derrota qualquer um. A violência é o pior
caminho, qualquer tipo dele e em qualquer lugar, mas é reação
humana e existe como incontido desabafo.
Silêncio
da cidade
Há
um silêncio engolido,
todo
dia por muita gente,
pelo
cidadão comprimido.
Silêncio
dos inocentes,
dos
justos, dos que trabalham ,
silêncio
escondido nas mentes.
Vão
todos com este silêncio, mudos,
a
violência ,o medo do Próximo ,
na
rua , nas empresas , atrás dos muros.
Silêncio
que coexiste por detrás
dos
ruídos da cidade ,
atrás
das consequências que ela traz.
Vamos
todos assim,
empurrando,
carregando,
um
silêncio que vive assim.
Silêncio
que vive em cada conflito,
em
cada acidente, em cada murro na cara,
em
cada tiro da mente, coisa pessoal, aflito.
Muitos
são os sons do silêncio,
que
matam, que machucam,
que
andam pela cidade em silêncio.
Até
quando haverá
esse
silêncio,
até
quando cada um suportará?
O
som deste silêncio cresce,
invade
ruas, casas e lares
e
a realidade desce
para
inferiores patamares.
Ninguém
mais escapa,
o
silêncio invade a Serenidade
e
o que resta é uma capa,
um
parecer em cada idade.
Quando
ando sobre pedras em ruas,
vendo
grades e muros,
vejo
realidades nuas,
de
um silêncio em tons duros.
O
silêncio das buzinas, dos motores,
de
pessoas em ambulâncias barulhentas,
das
sirenes e alarmes,
a
cidade em silêncio grita suas dores.
E
assim vou andando ,
escrevo
e digo coisas em silêncio
e
as pessoas vão passando,
fazendo
barulho, mas repletas de silêncio.
Ruas
e praças, corredores da vida,
dobram-se
ao silêncio da cidade,
que
ecoa num movimento de ida
e
realiza-se e quebra-se em verdade.
Teatros,
shows e TV para milhares de pessoas,
e
um só silêncio coexistindo,
um
algo escondido que une todas
e
uma existência se esvaindo.
Escutem
o barulho da cidade,
é
fruto de um silêncio que está matando,
acabando
com a humanidade,
porque
no fundo as pessoas estão falando.
Odilon
Reinhardt
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