segunda-feira, 11 de julho de 2011

Artigo da semana

Tudo muito passageiro


Na época que nos deixamos dominar pela onda da transitoriedade, onde o modelo econômico, por questões de maior consumo, favorece a obsolescência precoce das coisas, tudo parece ser na verdade passageiro, instável, desmerecedor de maior atenção.

É assim que na esteira desta programada, forçada e imposta instabilidade no mundo as coisas, também o comportamento das pessoas segue uma patética e virtual “modernização”. Torna-se, então, mais rápido, superficial, descambando para a intolerância e impaciência quanto ao maior detalhamento de qualquer assunto.

Com apoio dos instrumentos fornecidos pela tecnologia e sua programada inserção na sociedade, os modos de comunicação entre as pessoas multiplicam-se . Todavia, a qualidade da comunicação é vulgar, controladora, superficial, sem intensidade, elegância e complexidade. Fica tudo como conversa de passarinho, um pipilar, rápido, vazio e curto sobre rotinas do dia a dia. Nenhuma profundidade ou conteúdo mais complexo é aceito. Mais do que quatro frases é uma aporrinhação.

E as pessoas vão se acostumando a este modo. O diálogo feito de assuntos comezinhos, de assuntos pequenos, sem muita reflexão, sem muita informação. Bastam algumas palavras e já tenho um “amigo”. É visível a precariedade das relações e a superficialidade de tudo. Compare-se informações sobre qualquer tema em qualquer enciclopédia de 20 anos atrás e as de hoje. Hoje, vale o superficial.

Este todo  parece ser muito conveniente e oportuno para espelhar a falta de cultura, educação e formação que marcam registrada mente a vida pessoal e política no país. Cada vez mais um país de forçados tarefeiros, de seguidores, de alienados, com pessoas se habituando à superficialidade num vazio sem precedentes.

O pior é que toda este modo “moderno” , este evitar a complexidade , está desembarcando no Judiciário, também através do processo eletrônico, virtual, que logo inaugurará a Justiça de formulários, marcando uma regressão aos tempos do pretor romano com suas fórmulas. Isto tudo para agilizar o processo, aproximando-o mais rapidamente da fase de execução da sentença, onde uma outra realidade desponta, onde não há o que executar, pois a maioria da população não tem recursos materiais. O consumidor, âncora da política econômica, está consumido. O advogado passa a ser o operador do Direito. Designação bem ajustada ao utilitarismo, ao materialismo dos dias que nos pregam. Por que não chamá-lo de mecânico das leis ou coisa assim? E o Juiz, por que não o eletrônico da Justiça?  
           
Uma Justiça célere,  mas superficial e sem razão,  pode levar à  Injustiça, estado pior do que a falta de decisão.  Sem embargo dos problemas existentes na fase de execução, a agilidade nos processos judiciais merece atenção e cuidado . Não podem os meios sobrepujar os fins. No entanto, é quase inevitável que a transitoriedade, a rapidez ansiosa, a superficialidade e tudo mais do modo “moderno” imposto contamine o exame dos fatos trazidos pelas partes e produza sentenças rápidas e sem ponderação de Justiça.

A necessidade de rapidez, agilidade, etc, no Judiciário, cada vez mais cobrado politicamente  pela sociedade face sua tradicional demora, corre o risco de refletir nas decisões o mesmo que se passa nas comunicações entre as pessoas .

Pessoas que não se detém mais a nada, que não prestam atenção a nada, que não sabem mais parar a fim de pensar. Se o pensar envolver o uso de mais do que dois neurônios, é chatice, e isto começa a ser uma perversa realidade. A realidade “moderna”. Caba a cada um decidir , se segue a onda ou não.

Para uns o lema é : “modernize-se”; nunca fale mais do que 3 frases sobre qualquer assunto, para não ser o chato, o complexo, o fazedor de problemas. Seja breve, nunca escreva nada muito profundo, detenha-se no vulgar e no superficial, caso contrário você será ultrapassado. Será tido como enrolado, complexo, barroco demais. Você não ganhará atenção, só a intolerância, a impaciência e irritação. A pergunta que fica no ar é a seguinte: a quem interessa isto? A quem interessa manter um povo distraído, de mente desinformada, curta e vazia, sem espírito crítico?

Todos nós aceitamos isto. Vamos pagar por isto. Tudo parece levar a conclusão que isto faz parte de  um  plano anti-democrático, para afastar as pessoas da participação e consciência, favorecendo a perda da liberdade de poder  criar e propor.  

Odilon Reinhardt

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