segunda-feira, 19 de maio de 2014





  

Perspectivas e Expectativas.

Em meio a uma desfiguração das imagens públicas e a enxurrada diária de casos adversos à vida que sonhamos ter no país, nasce a expectativa negativa, a perspectiva falseada baseada na  promoção de um cenário pretensamente desconexo. 

O ideário popular, atormentado pela insegurança em todos os aspectos e também pela violência com a qual os seres humanos brasileiros estão submetidos como hipótese diária de se tornar a próxima vítima, faz surgir uma expectativa nada positiva sobre o futuro imediato a partir de 12 de junho.

O que deveria ser um evento histórico e de grande fascínio torna-se um evento arriscado a ser pífio e sem cor alguma. A Nação empobrecida, desfigurada e com cara de bolacha quebrada não espera grandes coisas e nem tem mais a esperança costumeira.
A grande expectativa vai estreitando-se na boca pequena do cidadão comum e todos encontram-se apreensivos quanto às manifestações populares que poderão unir e desafogar todas as insatisfações acumuladas. 

Estaria a causa da grande insatisfação no drama da vida de cada um; na impotência para mudar; na falsa visão proporcionada pelo jogo do  mutante cenário político; na incompetência para preencher com atividades e pensamentos positivos; na frustração particular e coletiva; no vazio existencial, que as luzes e coisas dos produtos materiais não conseguem preencher no “progresso” errado num mundo do “ter” e que não respeitou, desde sua concepção, o mundo do “ser”; no uso da Tv e dos momentos diários gastronômicos para preencher o dia, aliás comida toda errada e que tem deixado doente o povo a altos custos para os cofres públicos? 

Talvez estaria então no jogo competitivo da mídia com seu misto de sensacionalismo,  verdade  e falsas verdades; na péssima índole dos que desembarcaram das caravelas; nos limites de nossa intelectualidade umbilical e tacanha; nas tendenciosas análises de certos economistas e observadores políticos e sociais; no catastrofismo; na falta de utilidade de certas teses jurídicas e seus mestrados e doutorados ineficientes; na cultura acadêmica abstrata, formal e carreirista; nos partidos políticos com a ideologia de conseguir  poder.

Talvez então na direita e na esquerda de interesses pessoais; na falta e compreensão da evolução da História e de que algumas gerações passadas, presentes e futuras estão mesmo presas numa etapa do desenvolvimento nacional; nas consequências históricas da burocracia oficial e do paternalismo que nos condicionaram; na incompreensão dos vários sistemas que compõem a vida de um país, dificultando assim a visão sistêmica, mas favorecendo a conveniente alienação do povo; nos desacertos e imprecisões do sistema educacional e nos modelos adotados;na intolerância e impaciência já manifestas; nas consequência da informática, que trouxe avanço fantástico, mas criou comportamentos adversos, gerando operadores de máquinas sem criatividade para elaborar um texto com mais de cinco linhas, sem copiar e colar; na sensação de que tudo é transitório e não vale a pena doar-se a nada e ninguém. 
    
Só em pensar em causas que se acumularam para produzir a vida e o momento atual, já se fica alarmado quanto ao que possa continuar   acontecendo  na sequência histórica.

Entre causas a enumerar ainda temos os erros do passado coletivo, fazendo opções muito ruins e que permitiram a instalação e o realce do individualismo egoísta no materialismo selvagem. Cria-se o ambiente e a mentalidade apropriada para o abandono do coletivo e a inconsequente valorização do umbigo de cada. Tudo repercute na vida do cidadão, na sua família e no seu relacionamento, hoje ameaçado pela necessidade de proteção de si mesmo como última saída, já que reina mesmo a desconsideração do respeito ao Próximo, face o processo já adiantado de individualização e retirada da sensibilização. Há a perigosa substituição da afetividade pelos interesses e conveniências materiais na relação entre pessoas; a decadência do amor e a supervalorização do racional, pratico, imediato, frio e calculista. Sobressai o medíocre, o incompetente, o experto, o aproveitador, o oportunista e o apaniguado político, enquanto os honestos se retiram; os princípios e valores perenes são atacados e suplantados por usos e costumes de modinha; as mudanças e o sentido de obsolescência emprestada as coisas materiais é transposta ao mundo do relacionamento humano gerando muitos conflitos. Soma-se ainda o processo de robotização, massificação e condicionamento para retirar do cidadão o poder de crítica e assim facilitar sua manipulação.

A Nação tem sido submetida, há décadas, a tais causas e as muitas estruturas e instituições oficiais tornam-se obsoletas e local onde poucos trabalham e muitos esperam a aposentadoria. Há uma propagada imagem de descura e negligência com abusivo uso de dinheiro dos impostos numa gestão sem objetivos positivos.

Aumenta a violência como reação e nas cidades o cidadão tranca-se entre grades,senhas e alarmes. As cidades tornam-se caldeirões de maldade e reunião de males contra seus habitantes, gerando sociopatias irreversíveis, em certo ponto geradas pela mídia ilusória e fantasiosa, por vezes demais realista, por vezes fascista, dependem do interesse.

A lista vai longe e mistura-se à sensação de mau gosto de concluir que algo está muito errado.  

O certo é que o evento máximo do esporte nacional, tradicionalmente o circo autêntico e eficaz, está ameaçado pela sua descoloração e falta de luz. O que poderia ser uma vitrine para um país honrado e feliz , vive agora sob a expectativa do que poderá acontecer ou não. Espera-se o negativo. Nada mais significativo e impressionante.

Estaríamos todos sofrendo danos resultantes da mistura e confusão de causas mal avaliadas e consequência que já viraram causas? Pergunta-se se a situação atual não é decorrente do planejamento público e privado , míope e mal pensado;  se o culpado é o semi-analfabetismo; a crença de que temos que ter menos Estado e mais Privado, o hedonismo cultivado pelo consumo a qualquer custo; nossa  preferência pelas férias e feriados ao invés do trabalho e nossa eterna luta contra este último; nas novelas da TV e nas subliminares frases que tendem a veicular a mudança cultural de modo pernicioso para manipular a mente da população; no tráfico de drogas que preenche o vazio dos adolescentes de até 30 anos; pela cultura de corrupção e na intenção de tirar vantagem e fazer-se sem trabalhar; no gigantismo do país onde moram povos em várias etapas de evolução; na simples falta de recursos, na adoção do estilo “aqui-agora é o que interessa”; na implantação de medidas para assegurar o mandato de cada político; no autoritarismo e na anti-democracia dos líderes.
Nosso analfabetismo de mais de 4 séculos e o semianalfabetismo de menos de um século certamente contribuíram em muito para a alienação nacional, o que sempre favoreceu os ocupantes do Poder, os quais que poderiam ter feito uma Nação forte e não uma que vive de crises e segue alienada de uma realidade que não é criticada de modo que tal ignorância leva à banalização e vulgarização das consequências que vão brotando para a atualidade. As soluções são esperadas ainda que surjam de cima para baixo, que os políticos solucionem.

Cada cidadão consciente deve estar perguntando em seu já malhado foro íntimo, quando tudo isto vai estourar? Na Copa, depois da Copa? Onde e quando?

Eis então uma Nação embalada pela negatividade, perdendo sua graça.  Aliás a opção pelo negativo já foi feita há muito tempo. Olhe-se a preferência pelos comentários sempre destacando o pior, as tatuagens com figuras do submundo e do obscurantismo, a abordagem sempre decadente dos fatos nacionais pela mídia, dando a impressão de um todo alquebrado, sem bom futuro desconexo. 
Poderia ser tudo diferente em qualidade, otimismo e alegria coletivo, mas todos e qualquer um construímos isto direta ou indiretamente e hoje estamos diante da expectativa negativa do que pode acontecer daqui para frente.

No silêncio barulhento de seus pensamentos, nossas gentes andam de cabeça baixa, ruas e calçadas são sua via dolorosa. O cidadão tem a cara triste e preocupada e a visão embaralhada para que continue a pensar que ele mesmo é o culpado e a vítima de sua história, sempre marcada pela baixa-estima e pouco futuro. Permanece a síndrome  do cão-viralata, de que somos os últimos na ordem das coisas, de que nada dará certo e não adianta mais nada porque o mundo vai acabar no fim de cada rua.

Seja lá o que esteja para acontecer no cenário imediato, as consequências de tudo já estão ocorrendo há muito tempo e fazem um processo sociológico de difícil reversão. Talvez isto explique porque os protestos da juventude em 2013 eram mesmo para baixar a tarifa de ônibus, embora tenha-se, só no meio dos dias de confusão, dado conotação política quanto aos problemas nacionais de momento.

Nada mudou a não ser o fato de a juventude saber que pode protestar, pois é o futuro dela que está sendo comprometido. Mesmo assim os protestos assumiram depois clara motivação de baderna e vandalismo, como reação de baixa qualidade. 
Mas tudo continuou na sequência evolutiva das consequências já instaladas. Depois de 2013, quantos já foram os escândalos divulgados ? E assim será.

Infeliz a realidade feita de causas e consequências que se cruzam e formam um Brasil grave e pesaroso, onde a vontade Constitucional de  promover o bem de todos, até agora como objetivo nacional tem sido dificultado.

A aparência momentânea de consumo, bens de luxo e gente ascendendo no poder aquisitivo, tem o condão de iludir e camuflar, engando a quem pensa que o material tem o poder absoluto de apagar a miscelânea de realidades intangíveis que têm estado em franco desenvolvimento, preparando armadilhas para a Nação. A insatisfação é silenciosa, individual, perturba a ricos e pobres.

Infeliz verdade de que tudo isto está em evolução e as verdadeiras consequências estão aparecendo lentamente e estarão acumuladas, esperando solução. O entrelaçamento dos problemas nacionais será o visível e será um nó górdio ou para o cidadão, numa linguagem mais moderada, a tal sinuca de bico; para poucos, será a idiossincrasia impiedosa das filosofias menores e maiores, utilizadas inescrupulosamente  há anos por interessados em promover a implantação da manipulação comercial e cultural, que estão afastando os cidadãos, desacreditando as instituições e os bons costumes, provocando o lento processo de desfiguração nacional, mas insistindo que é o “progresso”. As perspectivas de médio e longo prazo preocupam e contaminam as expectativas de curto prazo.

Falta reação positiva, patriótica, amor ao país e ao Próximo, as crianças que serão as gerações futuras, a consideração do futuro da juventude, hoje guiada por modelos errados e de baixa qualidade. Falta pudor, boa fé, solidariedade, virtude, honestidade, ideal e planos construtivos e legítimos. Falta moralidade não só a oficial mas a de muitos cidadãos em seu dia a dia. Falta heroísmo e sacrifício das conveniências pessoais em nome do coletivo. Que se abra mão do conforto pessoal, do favoritismo, das vantagens do nepotismo , da falta de transparência etc.    

Na falta de algo positivo, aguarda-se a “mobilização “, um monstro de mil interesses que estará oculto como sempre esteve. O pensamento é pouco animador. Mas com Copa ou sem Copa tudo que tem caracterizado o país continuará a existir e surtirá efeitos danosos, se não houver reação positiva. Continuaremos a ver a ignomínia, as injustiças e iniquidades, as grandes manobras políticas para encobrir escândalos denunciados, tudo encoberto por assuntos eleitos a dedo e que são colocados na mídia , sendo usados como bois de piranha para distrair a atenção popular, enquanto muito passa desapercebido.

Por hora “o evento”  tem recebido até manifestação contrária, há gente torcendo para que nada dê certo, para que tudo seja um vexame internacional.  A Nação será obrigada a ficar em casa na frente da TV, o grande retângulo, hoje Deus dos lares, fonte de felicidade e prazeres.  Com ou sem repressão policial e militar durante  o evento, continuaremos vendo acontecer crimes hediondos que assustam o mundo, continuaremos a ver a corrupção , a má gestão, a falta de planejamento sério, os desacertos da política. Continuarão a guerra do trânsito e a guerra civil noturna nos bairros da periferia.

Infelizmente, guardadas as proporções, a História do Brasil já viu realidade igual no passado. Não será de espantar se em alguma folha do livro desta História, for registrada o ressurgimento de uma reação conservadora, a radicalização e o autoritarismo com última alternativa para garantir a disciplina, o respeito , ordem e o progresso.    

Observe-se que até a mídia está contida, talvez para não criar uma euforia tal que possa tornar-se  mais uma decepção, caso o Brasil não seja campeão ou seja mesmo desclassificado logo, dando pretexto para manifestações de rua inócuas. 

Será que não teremos mais a oportunidade de viver o verdadeiro Brasil em seus bons aspectos de terra maravilhosa e focar a vida em planos futuros positivos? Cansa viver no negativo e na realidade deteriorada com gente cada vez pior.

Como Nação, poderíamos estar vivendo momentos de uma grande expectativa mundial positiva, uma fonte de alegria num magnífico evento que coloca o Brasil em evidência, mas momentos de jubilo ficam só para a hora fugaz dos gols, mas depois.......

Odilon Reinhardt.                

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