quinta-feira, 3 de abril de 2014




Ver com transcendência.

É mesmo muito difícil de escapar das condicionantes de momento na vida, porque elas embaçam a visão, perturbam a mente e impedem a consciência.

Por trás de poderosos condicionantes, há um pano de fundo, um cenário verdadeiro, onde está sendo registrado o real progresso individual de cada um e também o da própria Pátria.

Todavia, é exigido um olho especial, o olhar da alma, para filtrar a realidade, despojar-se de todos os aspectos momentâneos, passageiros e perfunctórios do dia a dia para efetivamente ver o pano de fundo. 

Assim é que facilmente temos a visão invadida e distraída para que ela se mantenha turva quando da tentativa de leitura da realidade. Impedidos de ver com nitidez, nossa atenção é voltada para distrações que nos impedem de ver o que interessa, o que é relevante e essencial para a vida.

Diariamente, notícias tendenciosas, plantadas pela guerra do Poder no mundo político e comercial, polarizada entre situação e oposição, tendem a ocupar o noticiário, fazendo o momento, gerando a realidade aparente. O noticiário invade a casa do cidadão, já preocupado com sua vida, seus afazeres e contas; ajuda a construir uma colcha de retalhos de um quadro difícil de ser visto em sua integralidade. A visão da realidade é perturbada pelo caleidoscópio criado; vem cheia de falsas imagens, falsas retas e esquinas, falsas cores etc.

Assim torna-se cada vez mais fácil controlar a opinião, o senso comum, o ideário popular à base de tal fragmentação, gerando uma realidade aparente pulverizada, cheia de factóides, falsos valores, prioridades, cronogramas, falsos prazos em eventos mantidos pelo sistema de pão e circo.

Com esta visão dificultada, difusa, confusa, fica o cidadão perplexo e facilmente é acometido da síndrome de cão vira-lata, com baixíssima autoestima. Sua visão é dispersiva, sem boas perspectivas, é a do agente do caos e da ideia de que tudo esta perdido, desconexo e sem esperança. Exatamente como desejado por seus manipuladores.

O cidadão, já atordoado, foca na sua vida, desliga-se do geral, despreocupa-se com o todo, delega o coletivo para os outros, afasta-se do interesse público geral, guardando para si somente o amarelado sentimento de que algo ou tudo está errado.

Esta ideia de abandono, de desligamento é a chamada alienação. Esta realidade favorece a manipulação à base de propaganda e contra-propaganda, veiculando falsos propósitos e interesses objetivos de momento que o cidadão recebe na sala de sua casa junto a seus familiares, sem saber do que se trata e a onde tudo pode ser encaixado, enquanto na tela de fundo algo está sendo registrado em definitivo. Há um inquietante silêncio, mas na primeira oportunidade criada no dia estoura em violência e represado protesto.  

O cidadão mantido dentro de uma imagem fragmentada fica retido no momento, no passageiro, na onda da moda do dia; é condicionado a acompanhar notícias sem pé nem cabeça e acaba por modelar seu comportamento dentro de planos pessoais igualmente passageiros numa vida dita de curto prazo, de curto pensar e de passageiro existir, preferindo nem pensar na falácia espiritual em que está se metendo. A preferência é pela vida aqui-agora, sem nada de mais aprofundado, para não dizer filosófico.

É a visão que se pode ter, por exemplo, do sobe e desce dos preços anunciados no dia a dia, deixando-se de observar a Economia, a origem e qualidade dos produtos etc. Na variedade e mutação dos eventos e programas que são impostos à visão, não se nota que é a própria vida é que está sendo mal usada. Equivale a dizer que no sobe e desce do dia a dia, deixa-se de observar que a escada está gasta e pode quebrar. São só exemplos para acordar a mente e mostrar que a distração de todos pode ter consequências desastrosas para a vida pessoal e para a Nação.

Cidadãos cegos e destemperados, não conseguem filtrar a realidade aparente e ler o que está sendo escrito no pano de fundo, no cenário da vida, a fim de verificar o comprometimento da própria existência.

Sabedores da presença usual dos mecanismos de dispersão, fragmentação e pulverização da realidade, confundindo o discernimento e o espírito crítico do cidadão, a existência do semi-analfabetismo e uma já criada cegueira coletiva, os interessados em tirar proveito de tudo, intensificam o poder de manipulação e neste sentido impõem modas, hábitos de consumo, agendas e modos de pensar nem sempre de modo tão subliminar. Criam um novo modo de ser, um novo e mágico existir que só contenta aos incautos e inexperientes. Manipulam o país como querem e quando querem e seguem uma linha já há muito tempo traçada.

Assim, fica fácil dizer que “está tudo bom”, “que a vida é assim mesmo”, que “as coisas são assim”, que “ nada se pode fazer”, que “ terra ” é bom para a pele do nariz, etc e os seguidores cegos e contentes, eufóricos e distraídos acreditam em tudo e compram terra etc e assim passam o dia como se o seu tempo de existência de vida não estivesse diminuindo dia a dia bem como suas energias para melhorar. 

Mas como tudo tem um limite, logo a falácia é descoberta, não porque o seja pelo conceito, mas porque outros interessados querem impor sua mentira e precisam de espaço para isto. Os novos brigam para impor aos cidadãos que a terra cria câncer e o bom mesmo é “areia”. O cidadão, então, passa a comprar areia, até que a areia seja suplantada pelo “pó de asa de borboleta” numa próxima campanha publicitária.  

E por consequência, usando terra, areia e pó de asa de borboleta a  vida do cidadão é preenchida no dia a dia, esquecendo que o nariz em nada mudou, continua nariz, mas agora já está em outra idade. A vida passou e a Nação já está com outra tela de realidade, escrita sem a participação dos seus distraídos cidadãos.

Considerando que uma Nação é feita de pluralidade e diversidade de uma população composta de pessoas em idades e estágios de vida diferentes, será difícil imaginar que não existirão cegos e que poucos  enquanto poucos são os que podem ver o cenário de fundo e pensar. Isto porque só é possível ter consciência com educação da mente, experiência de vida, aprendizado pela dor ou amor, pelo pensamento.

Portanto, num cenário de pão e circo constante, haverá pão e haverá circo, platéia, animais e artistas e alguém estará querendo vender terra, areia ou pó de asa de borboleta e haverá compradores para tudo. Isto porque assim é a vida de teatro, enganação e um pouco de lucidez nacional.

Seguir a turma já não é mais seguro. É necessário acordar e ver não só o que estão oferecendo como alimento para comer no dia a dia mas também, e com muito mais importância, o que estão oferecendo para pensar. Com este sistema imposto de distração e manipulação estão mexendo com o Ser da Nação, como seu modo de existir e pensar.  

O desafio é que a esta altura, o individualismo egoístico e o materialismo já tornam quase impossível que o indivíduo comum, tão espezinhado e robotizado em suas tarefas e compromissos, desligue-se da visão curta e tente ver o transcendente quanto mais o futuro, mesmo que imediato.

Seria ideal que cada um tentasse filtrar a realidade presente, infiltrasse seu olhar pelo entrelaçamento das condicionantes atuais e conseguisse chegar à visão real do que está acontecendo com sua vida física e mental por consequência da sucessão repetida de ataques a sua liberdade e saúde.

E assim procedendo, que pudesse avaliar se sua vida futura não está sendo comprometida pelas ilusões atuais. Seria um ato de responsabilidade e carinho com sua própria vida e para com a Nação onde vive, a qual depende de indivíduos livres, pensantes, saudáveis e produtivos.

Odilon Reinhardt.



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