ilustração: http://www.guardian.sombra.nom.br
São também nossas heranças coloniais do sistema lusitano e
espanhol, extremamente inspirados na estrutura eclesiástica, que nos amarram a
sistemas de tramitação, decisão e controle, preenchimento de cargos e de um
sistema de competências para autorização, aprovação e eleição seja de propostas
seja de pessoas. Esta realidade já tradicional faz a raiz de um império de
atividades de meio, de ações para Inglês ver, de procedimentos barrocos, sem
objetividade finalística, senão a de enrolar, de eternizar os meios do
processualismo, prestigiando a forma, a fórmula, os recursos, as entranhas e
desdobramentos, entrelaçados num cipoal imoral.
Frente a fatos, não custa crer que o que se valoriza aqui,
em termos simplórios e exemplificativo, não é a festa em si, mas todo o tempo
de preparo da festa, período em que se gasta muito mais tempo, gera-se mais
oportunidades de mudança, gastos, podendo-se planejar e replanejar, alterar de
acordo com a conveniência e oportunidade, fazendo disto um campo aberto à
negociação, que pode ser prolongada a bel prazer de seus donos.
A Pátria vive assim enrolada em questões e procedimentos
bizantinos e barrocos. Faz surgir a politicagem palaciana, corrupta, a
verbosidade vazia, o falso e empolado intelectualismo tendencioso e de mau
caráter, o jeitinho maneiroso de acomodar situações, a embromação, a expressão
da lei da vantagem, do individualismo egocêntrico. Em plena República ainda
conservamos palácios disto e daquilo, com seus reis e nobres às custas do
dinheiro público.
A ideologia da vida de meio ( o eterno preparo da festa),
burocrática na alma, invade tudo e todos; faz mentalidades, revestidas de
superioridade, elegância e erudição, mostra-se para que a Juventude almeje
repetir este modelo e deseje ser igual. Surge a tapeação hermética,
inacessível, com linguagem alongada, maneirosa, mas vazia e feita para ser
complexa e falsamente erudita. Torna-se comum a enganação fraseologia, com
apostos e divagações para desfocar, para distrair a atenção. A chicana com
alegações formais e processuais, a protelação, a busca da prescrição e do
esquecimento são comuns e até direitos respeitados. Cria-se no mundo do meio as
dificuldades, protela-se, encalha-se, delonga-se, vende-se facilidades.
O país novo, empreendedor, positivo, produtor dobra-se à
lista de pré- requisitos, requisitos, exigências, aos relatórios, planilhas,
tabelas, informações, requisição, solicitação, carimbos e petição. Pior,
cria-se a ideia e a mentalidade fantástica de que se assim não for, algo está
errado, alguém está levando por fora. E o medo expande a dúvida. O próprio
sistema, burocrático e processualista em essência, condiciona as pessoas a
perguntar: e se não existissem tais regras procedimentais, todo este sistema
burocrático, não seria muito maior a corrupção e os escândalos? Não seria tudo
isto a defesa contra certa vontade popular “a de se fazer, quando na função
pública ou os reflexos de um sistema maior que incentiva a ganância, a
competição, a comparação e gera megalomaníacos ?” Sendo impossível controlar a
cultura instalada há séculos na politicagem e na vida das pessoas, de certo
modo, aprimorar-se os meios de controle e procedimentos dá garantias ao país
para que haja meios de supervisão. Todavia, isto acaba criando um emaranhado de
papéis, que favorece os delinquentes de todos os níveis econômicos e sociais e
quando tudo isto é transposto para o Direito Processual acaba constituindo o
arcabouço a ser usado para protelar, adiar, alongar e beneficiar alguém.
Para tudo há limites dentro do princípio da razoabilidade.
Há uma burocracia mínima, lógica, aceitável como estrutura formal, mas no
estágio atual da história do país, já estamos exorbitando, abusando. No
entanto, acho difícil mudar esta cultura, esta mentalidade. A pergunta é quando
e onde isto dará um nó na vida nacional? Por hora os mantenedores de todo este
sistema tentam protegê-lo contra a Polícia Federal e o Ministério Público,
barrados na entrada da festa.
Poderia ser perguntado: mas o que se está fazendo é o
previsto em lei. O Executivo aplica a lei, o Judiciário julga pela lei . Onde
está o problema? No Legislativo. Ali tudo se forma, não é formação ao léu, é
ideológica, de propósito, bem paga. Não há nenhuma preocupação com o Brasil ,
com seu povo, com o interesse público. O estudado e premeditado jogo de
palavras na redação do texto legal, as ressalvas, as lacunas, as brechas, os
incisos e alíneas excludentes, o uso de palavras ambíguas e frases truncadas
para favorecer o jogo da doutrina jurídica, o jogo da interpretação, a
dialética absurdamente planejada e assessorada por grandes mestres da
atualidade. Tudo já nasce preparado para permitir interpretações tendenciosas e
falaciosas. Na elaboração da lei, decretos, normas em geral nasce o problema
que desemboca e desenvolve-se no processo judicial, nos recursos e julgamentos
do modo já visto e revisto. Somos todos meio culpados disto, por que votamos
sem saber em quem, em partidos de ideologia só no papel, em pessoas do poder
econômico, em caras bonitas e simpáticas, em fichas sujas. A maioria desconhece
o que farão com o poder que concedemos. Alguns farão de tudo para se reeleger e
para isso precisam de dinheiro e para ter dinheiro…. Os esquemas são de lesa-Pátria
e assim deveriam ser tratados e julgados. Esquemas feitos por especialistas,
conhecedores profundos dos sistemas nacionais, dos canais de poder, muito bem
assessorados, idealizados e protegidos. Não seria mais positivo criar com tal
inteligência empreendimentos honestos, positivos, reais, úteis a todos? Não. É
mais fácil fraudar . O estelionatário não quer ser honesto, nunca. Isto seria
uma degradação para seu intelecto. Aliás, não seria essa a cultura que veio com
as primeiras naus, com os degradados, a de que trabalhar é coisa para escravos?
Pensamento este radicalmente diferente do chinês, do japonês e do anglo-saxão,
onde o trabalho enobrece o Ser e é fonte da riqueza.
É estratégico fazer pensar no pecado, criando-se sempre, uma
falsa insegurança, toda vez que não forem observadas as formas, as regras, os
passos procedimentais. Confunde-se a legalidade, tornando ilegal o
descumprimento de meras regras de meio, totalmente vazias e inócuas, destinadas
a segurar o trâmite, amarrar o caso. Pune-se a rapidez, desconfia-se da
agilidade. Valoriza-se o ajeitamento, o palavreado, a estratégia processual e
procedimental num país de códigos, regras, normas, resoluções, instruções,
portarias, avisos, regimentos e regulamentos, estes dois últimos muitas vezes
acima da lei.
Vale o protocolo, o controle do controle do controle, o
relatório, o procedimento formalmente completo, as guias, as certidões, as
múltiplas autorizações para liberação, para obter a concessão, o alvará, a
decisão, o voto, para qualquer atividade. Segue-se certamente as regras
pré-definidas, os procedimentos passo a passo, todos para garantir o império do
meio processual, elaborado em detalhes científicos e “acadêmicos” para
assegurar a maior delonga possível e assim proteger o ofensor, com seus
interesses escuso de qualquer esquema micro ou macro. Quantos desses esquemas
não estão neste mesmo momento em plena operação, tendo sucesso ou sendo
acobertados ?
É em plena República,
o império da burocracia, dirigida por arcaicos interesses dos coronéis das
fazendas de interesse e domínio da economia e seus representantes, tudo para
proteção do “interesse público” criado pelos mesmos, mediante o estabelecimento
de uma mentalidade cartorial, de registro e controle, sem o que nada existe.
O barroco lusitano e espanhol luta com sucesso para se
manter e assim conter a objetividade germano anglo-saxã, produtiva e positiva
em resultados para todos. A pátria produz, fabrica, mas não exporta, não ganha,
enrola-se em suas entranhas como alguém com cólica. Basta dizer que para
relacionar-se com o mundo exterior, usamos um código comercial de 1850,
protetor de coronéis da época e até hoje com poder dominante.
Repartições, divisões, sessões, coordenadorias de órgãos
públicos da Administração em geral à Justiça enrolam-se em procedimentos,
prazos, trâmites, fluxos e refluxos, em processos de meio de uma vida palaciana
feita de assinaturas escalonadas, de decisões e atos administrativos complexos,
onde o que é valorizado é a forma, não o tempo, não objetivo de vida, a
finalidade. Uma vida de papel, mas altamente privilegiada e remunerada; imoral
na essência de sua concepção desde há muitos séculos; cheia de protagonistas
com a vida garantida, alguns só pensando nas férias e na aposentadoria.
Afasta-se a atividade oficial da eficácia, da competência ao
valorizar a eficiência e os meios, crendo que a segurança dos meios levará a um
bom fim, o fim de fazer não dar em nada no curso do tempo. Olha-se a rapidez e
a agilização com olhos estranhos. Prega-se até que a Justiça é cega e tarda mas
não falha.
E ao final, fica bonito e respeitado quem discursa
longamente no palco, enrolando a Pátria, fazendo-a tolerar o respeito à
coerência “técnica” , o meio pelo meio em si, o brilho da habilidade em
palavras de enrolação procedimental, a festa dos meios, onde impera o advogado
hábil, o juiz de eloquência, num jogo de cena, de entrelaçamento de interesses
encomendados, de dissimulação acobertada pela liberdade de convicção técnica,
de meias palavras, palavras ambíguas e pensamentos desconexos. Um salseiro intelectual
sem precedentes.
Incrível país dos letrados intelectuais rocambolescos, que
melam tudo, que mantem vasos de barro como ícones de sua tradição. Ultra
remunerados por uma população de forçados miseráveis em ideias, ações e
reações, abusam do discernimento, do bom senso. Vence a burocracia; sai vencido
o cidadão honesto, o trabalhador de todas as profissões, o alienado tarefeiro
obrigado a concentrar-se na satisfação de suas necessidades mais básicas, a
juventude com futuro enrolado, o país de uma Pátria que é obrigada a dormir
eternamente, porque é esta a finalidade última, fazer dormir, enquanto poucos
estão de olhos bem abertos, dominando e fazendo de tudo e como querem com suas
palavras, seus votos, seus recursos palacianos e acadêmicos.
Inebriados com seus fabricados sucessos e eufóricos
salários, alguns esquecem da opinião pública, esquecem que lei, Direito e
Justiça são aspectos diferentes e quem recebe o Poder para fazer Justiça, deve
fazer uma análise, sim, do vento, do tempo, do relento, do movimento, do espaço
e do senso médio da Pátria tem sua alma dirigida pela ética e pela Moral
católica do humano de todas as fés.
Qualquer um da Pátria, do rico ao pobre, da mais alta
autoridade ao jardineiro, todos tem espírito e sabem o que é certo ou errado. A
Pátria pode estar dormindo, agora em último sono, mas pode acordar, quando
sonhar tornar-se insuportável e cada cidadão for desacreditando no modelo
posto. A juventude, letrada ou não, seguirá este modelo dos adultos? Seguirá
pelos mesmos caminhos ou já entendeu a essência deste modo de ser? Isto tudo
não reforça ainda mais a tendência desta época que é de não se entregar a nada,
de não respeitar instituições de qualquer natureza? Isto já não explica a
alienação, o abandono dos estudos, a falta de mão de obra qualificada, a falta
de médicos e engenheiros qualificados?
Pois é possível perguntar: de tudo isto, de toda esta
parafernália montada, é evitada a corrupção, o desvio, os grandes e pequenos
esquemas? Não. Tudo é facilitado e protegido pela própria inoperância do
sistema adotado. Os grandes esquemas milionários de fraude e corrupção só são
descobertos por que há denúncia, mas estão formalmente corretos, preencheram
todos os passos e regras da burocracia, pagaram todas as guias e forneceram
todos os dados e informações, tem licença e autorização para funcionar. A
fiscalização, a auditoria etc jamais chegaria ao centro do esquema e se isto
por ventura acontecer e houver pessoas influentes envolvidas, há ainda todo o
caminho burocrático processual judicial, que pode contribuir para que o tempo e
as palavras intrincadas façam esquecer tudo. E mais, possivelmente só os
operadores do esquema vão ser punidos. As grandes figuras nunca, pois isto
abalaria todo o jogo político de negociações, cargos e apoios. Certamente,
argutos pensadores da intelectualidade sairiam em defesa com suas
argumentações, sistêmicas e extraídas da legislação e da doutrina, defendendo
que os esquemas menores não podem prejudicar os maiores, pois aqui os “meios”
justificam os fins; ademais o que seria da tributação e da geração de empregos
nas milhares de lavanderias espalhadas pelo país ? Não seria isto então um
legítimo interesse público com base na Constituição?
O mundo burocrático vive assim para si mesmo e seus protagonistas.
Age pela convivência e oportunidade, onde o elemento político está assegurado
em sua sobrevivência e perpetuação como meio de acomodação, estabilidade e
adequação. Consome quase todos os recursos tributários vindos do setor
produtivo. Torna inútil toda a malha de controle feita por tribunais de contas,
auditorias, inspetorias, controladorias, inspetorias e fiscalização porque
torna-se impossível fiscalizar e controlar. Deixa o cidadão atônito, indignado
e silencioso, que aceita mais esta calado, afinal, de imediato nada vai lhe
atacar o bolso mesmo.
O Estado de todos os níveis só vive para viver de si mesmo
numa cornucópia de problemas internos e estruturais; um poço sem fundos, onde o
ar é só para seus próprios integrantes. Sendo possível escutar a frase
deslumbrada e autoritária: “não me importa a opinião pública”. Nada mais
esclarecedor e emblemático para um comportamento vulgar e comum, aquele
arraigado de servilismo funcional. Estarrecedora a comum realidade, só
recentemente, revelada pela possibilidade de qualquer cidadão assistir pela TV
o que se passa e como se passa e quem é quem, promovendo tudo isso com a maior
convicção.
Fácil assim de entender porque processos são esquecidos nas
prateleiras, sentenças só são emitidas após muito e muito tempo de
procedimentos medievais e canônicos, inquéritos e tantos outros processos não
dão em nada, autores que ganham, mas nada levam porque, no meio tempo muito bem
enrolado, o réu ou o seu patrimônio sumiram. O réu, o autor, seja lá quem for,
é público e tem sua opinião. Ela existe, respeitada ou não, mas alguns dos
funcionários-rei, os nobres da corte, não estão nem aí para isto. Vivem do
intrincado e minucioso tecnicismo de fazer pizza sem hora para servir.
Nas calçadas da cidade segue o silêncio insuportável de cada
cidadão, que arde em seu foro íntimo, onde o juiz comum a todos é levado a
julgar efetivamente que “algo está profundamente errado.”
Indignados ou inconscientes alienados, todos prosseguem com
suas vidas. Afinal, hoje tem jogo de noite, amanhã é outro dia e Deus é
brasileiro, vai dar praia. E mais, lembremos que o império da burocracia já
sofreu um programa de desburocratização na década de 80, quando para certos
procedimentos era exigido até “atestado de vida “ do requerente. Quantos
cidadãos, após horas de fila, ao chegarem ao balcão de atendimento eram
obrigado a voltar no outro dia porque não estavam de posse do “atestado de
vida”. Era uma época de céu azul, a realidade era verde oliva e muitos
preferiam estar mortos, mesmo que burocraticamente.
No país de papelada, dos prazos, dos trâmites esquisitos e
dos procedimentos ridículos, nem a informática conseguiu agilizar a vida, pois
conseguiu aprimorar e consolidar procedimentos e eternizar o período de preparo
da festa, tornando-o a própria festa. Tudo com recursos públicos.
No reverso inconsequente e danoso do mundo montado aqui,
nasce a impunidade, o sentimento de impotência do cidadão, a constatação de que
“ isto vai dar em nada “. É o neoliberalismo da malandragem, alimentado pelas
entranhas burocráticas do gigantesco monstro devorador das esperanças e do
futuro nacional, já gravemente afetado pelo individualismo egocêntrico e
materialismo.
No passar dos séculos, com a reiterada prática burocracia de
enrolar e procrastinar para proteger interesses, foi nascendo um modo de ser,
uma tradição e uma cultura administrativa burocrática baseada na figura intocável
do festejado e protegido burocrata e tecnocrata, Seres acima de todos os
comuns. Alguns destes iluminados, têm salário irredutível, não podendo ser
removido do cargo, vitalício. Estão em palácios onde podem doravante expor suas
convicções sem respeito ao senso comum, à moralidade média dos comuns, serão a
Justiça em si, deuses da verdade. Eis a inacabável monarquia particular em
plena República, cartorial, momesca. Mas pergunto: alguém desiste da
possibilidade de tornar-se nobre ou rei? Quem não quer? Querem ser iguais aos
que hoje existem ou pretendem mudar este status? Não seria esta parte centro da
questão a ser analisada? As listas de candidatos estão lotadas. Levam ao pé da
letra a lição de São Francisco de Assis, “aquilo que não puder mudar, aceite”.
Ninguém de sã consciência é poupado das ultrajantes
óperas-bufa que são representadas simultaneamente, uma pior do que a outra,
enrolando a Pátria em seus cenários. Um escândalo se sobrepõe ao outro na
imprensa escrita e falada, já sem espaço para mostrar o acompanhamento de tanta
barbárie intelectual e afronta ao senso comum. Não há possibilidade de o
cidadão concentrar-se em um só, logo vem um ainda pior. Não é de agora, tem
séculos, mas até quando ? Será que isto tudo é assim mesmo e só há no mundo
esse modo de gerenciar a vida? De qualquer modo a solução nunca deve ser pela
violência, mas pelo pensar em desconstruir este modo de Ser e adotar sistemas
inteligentes, para colocar em prática os objetivos que estão na Constituição.
Mas não há garantias que jovens, já tão condicionados pelas tendências atuais,
não apelem para atos violentos em defesa de algum interesse de seu bolso e que
coincida com algum outro momento, já que pensam estar o futuro tão distante
mesmo.
Odilon Reinhardt.