Em janeiro de 2013 a Sanepar completará 50 anos, já está sendo alardeada a grande festa. Data esperada a ser muito comemorada. Houve em sua história muitos episódios marcantes: as primeiras concessões, a barragem de Piraquara I , a Sanepar como modelo para a área de saneamento na América Latina conforme a ONU, o primeiro grande empréstimo internacional, os marcos de quantidades de ligações de água e esgoto, o novo prédio da sede, a revolução da informática, a descentralização de sistemas para a capital e interior, os programas de investimento em Saneamento Rural, Pequenas Comunidades, Pedu e Prosan, a barragem do Passaúna ,a crise gerada pelo fim do BNH e passagem do sistema habitacional e de saneamento para a CEF, o empréstimo japônes do ParanaSan, a ETA do Iraí, a reestruturação da empresa com uma estrutura voltada para resultados basaeada em unidades de serviço e receita, a venda de parte da empresa para sócios privados, a abertura do capital, o contrato de concessão de Curitiba, o famoso IPO- Oferta Púbica de ações com lançamento de ações na bolsa de valores, o início da renovação das concessões, o lançamento de debêntures que salvaram a empresa do caos financeiro, a crise de poder entre os sócios da empresa e a polêmica sobre o acordo de acionistas, o período de colheita de prêmios de qualidade e meio ambiente com a certificação ISO , a premiação por transparência contábil e tantos outros episódios que serão certamente lembrados oportunamente e por pessoas mais capacitadas para tal, que mostrarão as conquistas no interior e a evolução técnica dos sitemas.
Foram todas datas de dias de glória, apreensão e esforço para persistir. O certo é que a Sanepar suportou vários estilos de governo e soube manter-se por ter dinâmica própria voltada para atender as necessidades da população. Muitos empregados já se aposentaram, anônimos e que raramente serão lembrados. Outros tantos carregam na memória dias difíceis em que tiveram que dar tudo de si no seu local de trabalho para não deixar a empresa falhar perante o usuário. O que foi feito durante 50 anos não é descartável, passageiro e de fachada. Basta lembrar que hoje em 2012 temos mais de 26.000 km de rede de esgoto quando em 1999 tínhamos somente 9.871 km. Os números em todos os setores mostram evolução gigantesca numa missão ainda a meio caminho.
Mas aqui quero só e brevemente registrar um episódio que marcou a todos recentemente . É que em certo final de madrugada, a do dia 20/9/12, Curitiba ainda dormia e o dia se preparava para ser um dia azul. Era uma oportunidade para o melhor, para ações positivas, para algo de progresso. Mas, em algum lugar na madrugada, camionetes escuras, com gente vestida de preto, com armas de grosso calibre, com gente vestida para invadir, atacar, preparavam-se para uma missão. Os vizinhos de tal lugar misturavam o sonho com a realidade, querendo acordar para o dia.
Logo na Curitiba de todos nós, os carros com gente com colete antibalas, colocavam-se nas ruas e iam passando em caravana. Nas calçadas os primeiros humanos a levantar já indo à padaria ou para a escola assustavam-se com a trupe do desfile matinal, mas acostumados, banalizavam a cena tão comum. Deviam pensar : deve ser algum roubo a banco, vão estourar alguma fortaleza do jogo do
bicho, prender uma rede de traficantes, estourar alguma loja de importados ou um local de lavagem de dinheiro, sabe-se lá, prender alguma rede de corruptos, como uma das missões mais elogiáveis da Polícia Federal e com irrestrito apoio popular.
Mas o alvo não era o usual, era, sim, a Companhia de Saneamento do Paraná, pessoa jurídica, integrante da Administração Indireta, sociedade de economia mista, com 51 por cento de capital estatal, sociedade anônima, concessionária de serviço de água e esgoto, com 50 anos de existência.
Às portas da empresa, a chegada da caravana policial foi sensacional, cena de filme, espetacular, inusitada. As truculentas camionetes, com giroflex ligado e o usual barulho assustam a guarita, causam espanto nos empregados que chegavam para mais um dia de trabalho. A invasão policial é iniciada, como se no prédio central estivesse um verdadeiro bunker, pessoas de alta periculosidade, armadas para resistir. Todavia, no papel, formalizada em mandado judicial, estava a ordem do Juízo
para tão somente colher informações, podendo recolher computadores para tal. Esta era a missão de todo o aparato policial custeado com dinheiro do povo.
As informações que deveriam ser colhidas eram relatórios, eram planilhas, etc, que estavam disponíveis e informadas regularmente aos órgãos de controle. Nada de especial que tivesse sido sonegado ou escondido. Nada de desconhecido, sombrio e enrustido. Nada de ilícito e secreto.
Logo ao início da operação, segundo relato de alguns presentes, o delegado, com seu rádio comunicador, teria dito, entre palavras afobadas e ações muito agitadas, em puro jargão operacional: “o alvo nº 3 foi localizado! O alvo 1 não está e o 2 também não! Vamos pegar o alvo número 3!”
Acontece que o alvo nº 3 , era o Diretor de Operações, já presente em sua sala. Assim, toda a frieza, impessoalidade e objetividade da operação, acabava de ganhar carne e osso, dirigia-se a uma pessoa, com histórico na experiência humana.
O alvo nº 3 , rascunhado no papel estratégico da operação, deixava de ser um número e assumia o contorno humano. Pois, então, aqui vou falar sobre o alvo nº 3. Talvez muitos já esqueceram que o alvo nº 3 gastou muitos meses de trabalho dedicado e meticuloso à frente de uma equipe para fornecer informações à equipe japonesa de estudo de viabilidade para o que seria o maior empréstimo a ser recebido pela Sanepar. Foram meses de gincanas documentais, estudos prévios e debates intermináveis, traduções de documentos. O estudo de viabilidade foi aprovado. Poderiam então ser iniciadas as negociações para o empréstimo. Necessário dizer que sem o empréstimo do Paranasan, Curitiba , Região Metropolitana e o Litoral estariam enfrentando gravíssimos problemas em água e esgoto.
Após este cansativo trabalho inicial, veio a etapa de negociações quanto ao empréstimo em si e sua posterior operacionalização. O alvo nº 3 foi ao Japão . Fomos então submetidos a trabalhos burocráticos das 7 da manhã as 22 horas da noite por quase 15 dias, num Japão já beirando o inverno. Eternas correções de textos e negociações em Inglês, revisões de editais e contratos, a disputa por taxas de juro e período de carência. Discutimos linha a linha todos os instrumentos formais. Isto sob os olhos dos representantes do Tesouro Nacional que haviam chegado ao Japão anunciando desde logo que o Paraná e Santa Catarina não tinham liquidez para o empréstimo. Na verdade,o Paraná tinha um resto de liquidez, o montante exato para o empréstimo, que foi o maior e o mais barato para a Sanepar.
O alvo nº 3 voltou do Japão, esperando o parecer da Procuradoria Geral do Estado e a aprovação pelo Senado Federal. Uma batalha à parte, que foi vencida também. O empréstimo foi concedido. Logo veio o período de licitações. Nenhum dos outros Estados conseguia fazer as licitações. O Paraná conseguiu fazer a primeira licitação, numa verdadeira guerra entre competidores. O alvo nº 3 mais uma vez conseguiu dar andamento e fazer as primeiras contratações. O Paransan começou a ser realidade.
O gerenciamento de todo o Paranasan não foi fácil. Esta é uma outra história com capítulos bem definidos, complicados e polêmicos, mas o Paranasan foi a salvação da Sanepar, Curitiba e Litoral. Nasceu numa época de desespero institucional, enfrentou a semi- privatização da empresa e passou por crises sérias, mas hoje está finalizado. Curitiba, Região Metropolitana e Litoral têm água e esgoto e tratamento em níveis que só seriam atingidos em décadas se ao passo dos investimentos no setor com dinheiro nacional. O empréstimo milionário do Governo Japonês foi a juros de bagatela. Um presente para a saúde.
O alvo nº3 na operação do dia 20/9/12 , para a altivez policial não passava de um número , de um alvo . Para nós da Sanepar era Paulo Alberto Dedavid, toda a DO, desde o operador até o engenheiro, éramos nós todos de todas as diretorias, mais de 6000 alvos, eu o 5473 -1 e você aí.
Pois é, foi assim que no dia 20/9/12, o alvo nº 3 quase foi preso e teve bens arrestados, não fosse a prudência da Juíza Federal que barrou tal pretensão, tornando a investida policial em busca e apreensão de documentos. Mesmo assim, não satisfeitos com o despacho da Justiça, frustrados por não terem prendido diretores e gerentes pela manhã, a trupe vingou-se prendendo empregados ao entardecer; inusitada prisão, submetendo pessoas ao constrangimento. Inexplicável.
É hoje assim. No pós-moderno, só se pensa em fragmentar, destruir, desconstituir, desrespeitar o passado e nos ímpetos individualistas e materiais, bater antes e perguntar depois. Numa só tacada, a
operação policial atingiu mais do que um alvo, atingiu uma instituição de 50 anos a serviço diário do povo, tendo atravessado todos os governos de vários regimes, modismos e ondas; fomos todos atingidos, mas não derrotados nem amedrontados, somos a própria Sanepar deste momento presente. Amanhã outros serão os saneparianos, mas a Instituição permanece a serviço da saúde. Falando em progresso, lembro que em 1910 um dos meus tataravós morreu de pneumonia no centro de Curitiba ao sair da cama no inverno e ter que ir para fora de casa no banheiro que ficava numa casinha no quintal. Quem não conhece a História do progresso no Brasil e seu lento avançar, não pode valorizar o presente, não sabe de nada e pensa que tudo é descartável e virtual. Aqui sempre houve muito esforço pessoal de gente competente e responsável. Em todos os municípios onde a Sanepar nasceu há gente de garra, gente honesta que vai se aposentar e ficar no anonimato, contentando-se, em sua intimidade, em ter na memória que fez sua missão, ajudou a construir uma empresa de saúde para a população num trecho de sua história.
Parabéns para todos que foram e são a Sanepar. Parabéns para todos que na sua luta diária tiveram sucesso e fizeram algo em silêncio como o pedreiro que coloca um tijolo na parede do prédio e um dia, ao passar pela frente do imóvel, da calçada admira sua obra anonimamente. Aqui foram 18.250 dias de muito trabalho para escrever na fachada o nome Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar. Em todos os sistemas houve sensível avanço, quer no campo administrativo, quer na Engenharia, todos coincidem com a própria evolução da Administração no país com novos métodos e novos equipamentos.
Odilon Reinhardt
Parabéns! Emocionante, instrutivo, gratificante. Pretendo, algum dia, entregar uma cópia ao condutor do atentado institucional do dia 20/9/2012.
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