Perspectivas e Expectativas.
Em
meio a uma desfiguração das imagens públicas e a enxurrada diária de
casos adversos à vida que sonhamos ter no país, nasce a expectativa
negativa, a perspectiva falseada baseada na promoção de um cenário
pretensamente desconexo.
O
ideário popular, atormentado pela insegurança em todos os aspectos e
também pela violência com a qual os seres humanos brasileiros estão
submetidos como hipótese diária de se tornar a próxima vítima, faz
surgir uma expectativa nada positiva sobre o futuro imediato a partir de
12 de junho.
O
que deveria ser um evento histórico e de grande fascínio torna-se um
evento arriscado a ser pífio e sem cor alguma. A Nação empobrecida,
desfigurada e com cara de bolacha quebrada não espera grandes coisas e
nem tem mais a esperança costumeira.
A
grande expectativa vai estreitando-se na boca pequena do cidadão comum e
todos encontram-se apreensivos quanto às manifestações populares que
poderão unir e desafogar todas as insatisfações acumuladas.
Estaria
a causa da grande insatisfação no drama da vida de cada um; na
impotência para mudar; na falsa visão proporcionada pelo jogo do
mutante cenário político; na incompetência para preencher com atividades
e pensamentos positivos; na frustração particular e coletiva; no vazio
existencial, que as luzes e coisas dos produtos materiais não conseguem
preencher no “progresso” errado num mundo do “ter” e que não respeitou,
desde sua concepção, o mundo do “ser”; no uso da Tv e dos momentos
diários gastronômicos para preencher o dia, aliás comida toda errada e
que tem deixado doente o povo a altos custos para os cofres públicos?
Talvez
estaria então no jogo competitivo da mídia com seu misto de
sensacionalismo, verdade e falsas verdades; na péssima índole dos que
desembarcaram das caravelas; nos limites de nossa intelectualidade
umbilical e tacanha; nas tendenciosas análises de certos economistas e
observadores políticos e sociais; no catastrofismo; na falta de
utilidade de certas teses jurídicas e seus mestrados e doutorados
ineficientes; na cultura acadêmica abstrata, formal e carreirista; nos
partidos políticos com a ideologia de conseguir poder.
Talvez
então na direita e na esquerda de interesses pessoais; na falta e
compreensão da evolução da História e de que algumas gerações passadas,
presentes e futuras estão mesmo presas numa etapa do desenvolvimento
nacional; nas consequências históricas da burocracia oficial e do
paternalismo que nos condicionaram; na incompreensão dos vários sistemas
que compõem a vida de um país, dificultando assim a visão sistêmica,
mas favorecendo a conveniente alienação do povo; nos desacertos e
imprecisões do sistema educacional e nos modelos adotados;na
intolerância e impaciência já manifestas; nas consequência da
informática, que trouxe avanço fantástico, mas criou comportamentos
adversos, gerando operadores de máquinas sem criatividade para elaborar
um texto com mais de cinco linhas, sem copiar e colar; na sensação de
que tudo é transitório e não vale a pena doar-se a nada e ninguém.
Só
em pensar em causas que se acumularam para produzir a vida e o momento
atual, já se fica alarmado quanto ao que possa continuar acontecendo
na sequência histórica.
Entre
causas a enumerar ainda temos os erros do passado coletivo, fazendo
opções muito ruins e que permitiram a instalação e o realce do
individualismo egoísta no materialismo selvagem. Cria-se o ambiente e a
mentalidade apropriada para o abandono do coletivo e a inconsequente
valorização do umbigo de cada. Tudo repercute na vida do cidadão, na sua
família e no seu relacionamento, hoje ameaçado pela necessidade de
proteção de si mesmo como última saída, já que reina mesmo a
desconsideração do respeito ao Próximo, face o processo já adiantado de
individualização e retirada da sensibilização. Há a perigosa
substituição da afetividade pelos interesses e conveniências materiais
na relação entre pessoas; a decadência do amor e a supervalorização do
racional, pratico, imediato, frio e calculista. Sobressai o medíocre, o
incompetente, o experto, o aproveitador, o oportunista e o apaniguado
político, enquanto os honestos se retiram; os princípios e valores
perenes são atacados e suplantados por usos e costumes de modinha; as
mudanças e o sentido de obsolescência emprestada as coisas materiais é
transposta ao mundo do relacionamento humano gerando muitos conflitos.
Soma-se ainda o processo de robotização, massificação e condicionamento
para retirar do cidadão o poder de crítica e assim facilitar sua
manipulação.
A
Nação tem sido submetida, há décadas, a tais causas e as muitas
estruturas e instituições oficiais tornam-se obsoletas e local onde
poucos trabalham e muitos esperam a aposentadoria. Há uma propagada
imagem de descura e negligência com abusivo uso de dinheiro dos impostos
numa gestão sem objetivos positivos.
Aumenta
a violência como reação e nas cidades o cidadão tranca-se entre
grades,senhas e alarmes. As cidades tornam-se caldeirões de maldade e
reunião de males contra seus habitantes, gerando sociopatias
irreversíveis, em certo ponto geradas pela mídia ilusória e fantasiosa,
por vezes demais realista, por vezes fascista, dependem do interesse.
A lista vai longe e mistura-se à sensação de mau gosto de concluir que algo está muito errado.
O
certo é que o evento máximo do esporte nacional, tradicionalmente o
circo autêntico e eficaz, está ameaçado pela sua descoloração e falta de
luz. O que poderia ser uma vitrine para um país honrado e feliz , vive
agora sob a expectativa do que poderá acontecer ou não. Espera-se o
negativo. Nada mais significativo e impressionante.
Estaríamos
todos sofrendo danos resultantes da mistura e confusão de causas mal
avaliadas e consequência que já viraram causas? Pergunta-se se a
situação atual não é decorrente do planejamento público e privado ,
míope e mal pensado; se o culpado é o semi-analfabetismo; a crença de
que temos que ter menos Estado e mais Privado, o hedonismo cultivado
pelo consumo a qualquer custo; nossa preferência pelas férias e
feriados ao invés do trabalho e nossa eterna luta contra este último;
nas novelas da TV e nas subliminares frases que tendem a veicular a
mudança cultural de modo pernicioso para manipular a mente da população;
no tráfico de drogas que preenche o vazio dos adolescentes de até 30
anos; pela cultura de corrupção e na intenção de tirar vantagem e
fazer-se sem trabalhar; no gigantismo do país onde moram povos em várias
etapas de evolução; na simples falta de recursos, na adoção do estilo
“aqui-agora é o que interessa”; na implantação de medidas para assegurar
o mandato de cada político; no autoritarismo e na anti-democracia dos
líderes.
Nosso
analfabetismo de mais de 4 séculos e o semianalfabetismo de menos de um
século certamente contribuíram em muito para a alienação nacional, o
que sempre favoreceu os ocupantes do Poder, os quais que poderiam ter
feito uma Nação forte e não uma que vive de crises e segue alienada de
uma realidade que não é criticada de modo que tal ignorância leva à
banalização e vulgarização das consequências que vão brotando para a
atualidade. As soluções são esperadas ainda que surjam de cima para
baixo, que os políticos solucionem.
Cada
cidadão consciente deve estar perguntando em seu já malhado foro
íntimo, quando tudo isto vai estourar? Na Copa, depois da Copa? Onde e
quando?
Eis
então uma Nação embalada pela negatividade, perdendo sua graça. Aliás a
opção pelo negativo já foi feita há muito tempo. Olhe-se a preferência
pelos comentários sempre destacando o pior, as tatuagens com figuras do
submundo e do obscurantismo, a abordagem sempre decadente dos fatos
nacionais pela mídia, dando a impressão de um todo alquebrado, sem bom
futuro desconexo.
Poderia
ser tudo diferente em qualidade, otimismo e alegria coletivo, mas todos
e qualquer um construímos isto direta ou indiretamente e hoje estamos
diante da expectativa negativa do que pode acontecer daqui para frente.
No
silêncio barulhento de seus pensamentos, nossas gentes andam de cabeça
baixa, ruas e calçadas são sua via dolorosa. O cidadão tem a cara triste
e preocupada e a visão embaralhada para que continue a pensar que ele
mesmo é o culpado e a vítima de sua história, sempre marcada pela
baixa-estima e pouco futuro. Permanece a síndrome do cão-viralata, de
que somos os últimos na ordem das coisas, de que nada dará certo e não
adianta mais nada porque o mundo vai acabar no fim de cada rua.
Seja
lá o que esteja para acontecer no cenário imediato, as consequências de
tudo já estão ocorrendo há muito tempo e fazem um processo sociológico
de difícil reversão. Talvez isto explique porque os protestos da
juventude em 2013 eram mesmo para baixar a tarifa de ônibus, embora
tenha-se, só no meio dos dias de confusão, dado conotação política
quanto aos problemas nacionais de momento.
Nada
mudou a não ser o fato de a juventude saber que pode protestar, pois é o
futuro dela que está sendo comprometido. Mesmo assim os protestos
assumiram depois clara motivação de baderna e vandalismo, como reação de
baixa qualidade.
Mas
tudo continuou na sequência evolutiva das consequências já instaladas.
Depois de 2013, quantos já foram os escândalos divulgados ? E assim
será.
Infeliz
a realidade feita de causas e consequências que se cruzam e formam um
Brasil grave e pesaroso, onde a vontade Constitucional de promover o
bem de todos, até agora como objetivo nacional tem sido dificultado.
A
aparência momentânea de consumo, bens de luxo e gente ascendendo no
poder aquisitivo, tem o condão de iludir e camuflar, engando a quem
pensa que o material tem o poder absoluto de apagar a miscelânea de
realidades intangíveis que têm estado em franco desenvolvimento,
preparando armadilhas para a Nação. A insatisfação é silenciosa,
individual, perturba a ricos e pobres.
Infeliz
verdade de que tudo isto está em evolução e as verdadeiras
consequências estão aparecendo lentamente e estarão acumuladas,
esperando solução. O entrelaçamento dos problemas nacionais será o
visível e será um nó górdio ou para o cidadão, numa linguagem mais
moderada, a tal sinuca de bico; para poucos, será a idiossincrasia
impiedosa das filosofias menores e maiores, utilizadas
inescrupulosamente há anos por interessados em promover a implantação
da manipulação comercial e cultural, que estão afastando os cidadãos,
desacreditando as instituições e os bons costumes, provocando o lento
processo de desfiguração nacional, mas insistindo que é o “progresso”.
As perspectivas de médio e longo prazo preocupam e contaminam as
expectativas de curto prazo.
Falta
reação positiva, patriótica, amor ao país e ao Próximo, as crianças que
serão as gerações futuras, a consideração do futuro da juventude, hoje
guiada por modelos errados e de baixa qualidade. Falta pudor, boa fé,
solidariedade, virtude, honestidade, ideal e planos construtivos e
legítimos. Falta moralidade não só a oficial mas a de muitos cidadãos em
seu dia a dia. Falta heroísmo e sacrifício das conveniências pessoais
em nome do coletivo. Que se abra mão do conforto pessoal, do
favoritismo, das vantagens do nepotismo , da falta de transparência
etc.
Na
falta de algo positivo, aguarda-se a “mobilização “, um monstro de mil
interesses que estará oculto como sempre esteve. O pensamento é pouco
animador. Mas com Copa ou sem Copa tudo que tem caracterizado o país
continuará a existir e surtirá efeitos danosos, se não houver reação
positiva. Continuaremos a ver a ignomínia, as injustiças e iniquidades,
as grandes manobras políticas para encobrir escândalos denunciados, tudo
encoberto por assuntos eleitos a dedo e que são colocados na mídia ,
sendo usados como bois de piranha para distrair a atenção popular,
enquanto muito passa desapercebido.
Por
hora “o evento” tem recebido até manifestação contrária, há gente
torcendo para que nada dê certo, para que tudo seja um vexame
internacional. A Nação será obrigada a ficar em casa na frente da TV, o
grande retângulo, hoje Deus dos lares, fonte de felicidade e prazeres.
Com ou sem repressão policial e militar durante o evento,
continuaremos vendo acontecer crimes hediondos que assustam o mundo,
continuaremos a ver a corrupção , a má gestão, a falta de planejamento
sério, os desacertos da política. Continuarão a guerra do trânsito e a
guerra civil noturna nos bairros da periferia.
Infelizmente,
guardadas as proporções, a História do Brasil já viu realidade igual no
passado. Não será de espantar se em alguma folha do livro desta
História, for registrada o ressurgimento de uma reação conservadora, a
radicalização e o autoritarismo com última alternativa para garantir a
disciplina, o respeito , ordem e o progresso.
Observe-se
que até a mídia está contida, talvez para não criar uma euforia tal que
possa tornar-se mais uma decepção, caso o Brasil não seja campeão ou
seja mesmo desclassificado logo, dando pretexto para manifestações de
rua inócuas.
Será
que não teremos mais a oportunidade de viver o verdadeiro Brasil em
seus bons aspectos de terra maravilhosa e focar a vida em planos futuros
positivos? Cansa viver no negativo e na realidade deteriorada com gente
cada vez pior.
Como
Nação, poderíamos estar vivendo momentos de uma grande expectativa
mundial positiva, uma fonte de alegria num magnífico evento que coloca o
Brasil em evidência, mas momentos de jubilo ficam só para a hora fugaz
dos gols, mas depois.......
Odilon Reinhardt.