sexta-feira, 15 de junho de 2012

A liberdade de quem tem vida pública

Tanto na vida privada quanto na vida pública, não existe a disassociação do comportamento ético e moral da pessoa de vida pública. Em qualquer lugar, a qualquer tempo, nada escapa da rigidez do controle da imprensa, dos paparazzi e da supervisão do povo em geral. Há a chamada dignidade do cargo ou do papel desempenhado perante o público.

Nada é perdoado nesta intensa fiscalização pontual e a coerência é exigida sem exceção. A postura digna é exigida indistintamente do rei ao cantor popular, do presidente ao político de qualquer região. O campo é do prestígio, vaidade, controle comportamental direto e disputa intensa pela imagem. 

Eleito por voto popular, eleito por Deus, escolhido por vontade política ou técnica, bem sucedido em sua profissão, não importa como, a pessoa torna-se pública e assume um compromisso e responsabilidade de agir bem e de garantir a coerência.

A ninguém, que deseje sair do rumo de coerência e seriedade no compromisso com a dignidade na posição alcançada,  é dado o indulto, o perdão popular. A perda do cargo ou do prestígio  vem com a reprovação popular que é forte e consequente.

Seja presidente da ONU, seja rei da Espanha, seja cantor  pop , jogador de qualquer esporte ou político, seja dono de empresa, seja lá quem for, todos  estão sujeitos à ética e à moral de modo que a propalada crise de valores e jogo de explicações neste campo não existe, e tudo resulta na sentença popular impressa nos meios da imprensa livre.

No fundo há a reação popular, sempre conservadora. Há  intolerância quanto à desonestidade, a falta de integridade e coerência. Coletivamente, todos somos moralistas e éticos com a coisa pública ou com a  imagem de quem ou o que for público.  Desejamos no fundo que o endeusamento e a eleição de modelos de sucesso sejam puros e intocáveis e não toleramos que isto seja corrompido. Detestamos sermos traídos em nossos sonhos e projeções.

Se exigimos que empresas e figuras públicas sejam  exemplares e não tenham os vícios comuns aos humanos, não temos qualquer piedade em relação a seus deslizes morais e éticos. Se individualmente somos considerados como entidades livres, com ética e moral alargadas, podendo fazer a ética e moral individual, situacional, como característica do detestável pós-moderno, tal aspecto ainda não nos contaminou ao olharmos o campo da vida pública e privada quando se trata da pessoa pública.

Se o rei da Espanha foi caçar elefantes na África e é presidente do Fundo Mundial para a Natureza  na secção espanhola da entidade, deve ser retirado da função por incompatibilidade de seus gostos e prazeres pessoais como cargo exercido. Se o presidente do FMI é pego em escaladas menos prestigiosas, perde o cargo em meio a escândalo divulgado pela imprensa. Se o político dá apoio à ação não ética ou imoral perde o cargo e assim por diante.

Não há clemência, nem para conveniências e oportunidades pessoais que não respeitam muitas vezes o contexto, portanto, inconsequentes.  A falta de discernimento, o erro de avaliação da pessoa pública ou de sua equipe de aconselhamento pouco afastam a realidade do fato e sua repercussão.

Caçar animais silvestres, participar de safaris de matança animal revelam uma despreocupação com o contexto mundial. Infelizmente o respeitável rei da Espanha foi levado a erro, pediu perdão, não por ter ido matar animais, mas por ter se afastado do país em momento em que o mesmo e seus súditos agonizam economicamente. O mundo reprovou o rei pela caçada, os súditos pela fugida para caçar.

O caso é emblemático, prevalece na mente coletiva o materialismo e o individualismo, há tempos inculcados na sociedade europeia, como meio de vida, fato hoje de sua derrota como civilização. A insensibilidade e o descompromisso com a causa comum é regra mestra da sociedade pós-moderna, a qual já apresenta sintomas de satura mento e defeitos enormes, mormente no ensinamento de que a ética e moral agora são questão individual e estão sujeitas as conveniências de momento e oportunidade. Cada um pode fazer o que desejar, todavia, se for pego, é punido coletivamente. No caso real, se o rei de Espanha não tivesse sofrido um grave acidente, a imprensa nem teria tomado conhecimento da viagem à África para matar elefantes.

Se matou ou estava presente quando outros mataram, ou se chegou a ser morto qualquer elefante, pouco importa.
Evidentemente, o rei, legítimo e respeitado por todos, soube usar da humildade católica e pedir perdão. A Espanha cristã deu o perdão, em reconhecimento da seriedade da figura real de passado, o que serviu para amenizar seu afastamento do país.
 
O caso foi encerrado com tom real; foi um aviso às Monarquias. Já para os cidadãos normais do mundo fica reforçado que devem andar dentro da linha, muito mais quando tornados figuras públicas.

No mesmo viés, cabe dizer que os políticos não são reis, estão na mira. As demais figuras públicas não são reis.  A imprensa e os meios de controle é que prestam o serviço de quebrar a “harmonia” do jogo de interesses e deslizes políticos, suas estruturas e armações estratégicas na manutenção do poder político ou pessoal, sem o que o cidadão normal, afogado em suas preocupações diárias de nada saberia. A malha eu entrelaçamento de interesses é supervisionada constantemente e as pessoas olhadas permanentemente.  É a liberdade de expressão, hoje, que serve para  denunciar o desvio, a corrupção.

No fundo, a intolerância ganha reforço nas ideias de que já não se aguenta mais pagar tributos, gastar energia e ideias e ver o desenvolvimento do país atrapalhado por interesses nem sempre exclusivamente movidos pela ganância pessoal.

Pessoas, sejam lá quais forem, podem ter o rei na barriga, mas isto não as faz reis. Acometidos de megalomania ou espírito de emulação quanto a seus pares ou ainda contaminados pela cultura do “agora vou me fazer”, nenhuma pessoa consegue ser rei, em rei da Espanha nem da Inglaterra, todas podem a qualquer hora ser pegas  pelo que a imprensa denunciar. Eis ainda um ponto de resistência a favor do público e da honestidade.  

Não continuemos a rejeitar o pós-moderno; continuaremos  resistentes ao uso da ética e da moral, se o pós-moderno desejar também flexibilizar seu uso no campo público, seja na política seja na vida pessoal dos figurantes públicos. Quando e se não existir mais resistência, teremos sido vencidos como Nação.

Odilon Reinhardt

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