A nau dos piratas.
Todo
mundo socado na nau. Gangsters buscando sobrevivência em meio a tantos
outros marinheiros de primeira viagem e inocente pessoal de bordo, que
veem seu idealismo afundar no emaranhado e na confusão.
A
nau percorria mares tranquilos, sempre no mar de almirante em céu de
brigadeiro. Nada parecia perturbar seu rumo, sem transparência com
porões abarrotados de moedas.
Todavia,
oficiais e marujos mais ambiciosos provocaram o motim. Não foi por
acaso, mas a nau parou em noite escura com alerta de tempestade.
Tornou-se um barco dos horrores, enquanto o povo ribeirinho observa,
inerte, pasmado e incapaz de reclamar dos espetáculos dantescos e
kafkianos que são noticiados diariamente.
Os
ribeirinhos, guiados pelos holofotes da imprensa e na TV, reagem
conforme é dado foco em imagens caleidoscópicas. Enquanto o show se
desenvolve, os ribeirinhos, agrupados às margens da mídia, são roubados a
conta gotas, sendo, portanto, chamados a pagar o aumento das contas de
tudo. Seus bolsos são esvaziados, mas seguem em sua rotina de longo
tempo sofrida.
O
show da nau preenche o pobre cinema diário. Todos os dias chegam à
terra escaleres com piratas que vão para a prisão. Perguntam: “que país
é este?” Da plateia desempregada ou mal aposentada, em qualquer caso
endividada, pode-se ver o palco das mil surpresas. É o desmonte de
impérios pessoais dos piratas, mansões, carros de luxo, fazendas, obras
de arte, firmas de lavagem de dinheiro. Não deu certo o esquema
tradicional montado por assessores e especialistas de várias profissões.
A receita, a cartilha do esquema para assegurar o enriquecimento
ilícito e a eleição e a reeleição de propinados não deu certo.
Economistas, contadores, advogados e todos que ajudaram a pensar e
montar o sistema de lavagem foram reprovados.
Denúncias e mais denúncias diárias aparecem. A nova supera a anterior.
O
fascismo do discurso dos piratas em escusas e fugas é impressionante.
Nunca se mentiu tanto e com tal cara de pau. Frases de efeito, negativas
esdrúxulas são usadas para tirar o corpo fora. As negativas são
absurdas, tendo o povo com néscio, burro e imbecil.
Os
nobres e reis da República veem a nau em apuros. Há barcos da alfandega
por todos os lados, klips e bergantins seguem a nau, cuja gávea tem a
bandeira do “Jolly Roger”, a famosa caveira com ossos cruzados, já a
meio mastro.
Todo
mundo envolvido, lutando para salvar o prestígio, a vaidade, o orgulho e
a própria pele, um em detrimento do outro no grito de salve-se quem
puder, mesmo sabendo que salva-vidas e escaleres foram retirados, tantos
já foram os presos enviados para terra. A atração é diária, superou
até o futebol de clubes falidos. O discurso é falido, mentiroso, não
vale mais o “se colar colou”. A nau perde contato com os portos, seu
pessoal de terra e os inúmeros armazéns em ilhas, onde se escondia o
“money“, o “stach (muamba)” bilionário e eram lavadas todas as finanças
em empresas de fachada ou não.
O
terror é generalizado, afeta a todos e as prisões se preparam para
receber os “vips”, os quais eram tidos como intocáveis, uma casta, não
como na Índia, mas aqui superior.
Na
nau, como metáfora, está sendo encenada uma ópera bufa que deixa
qualquer um no chão. Nunca se viu obra tão ruim, tão ridicularmente
representada. Na nau o conflito interno é explícito. A equipe do som não
se entende com os figurinistas e os atores, todos de alta qualidade,
perdem-se no palco. O script já se perdeu. Cada um segue o seu próprio.
A plateia não entende mais nada. O mocinho da hora vira bandido, o rei
vira bufão, a rainha vira megera indomada; os palhaços viram a mesa e os
menestréis cantam e tocam músicas e letras fúnebres. O desencontro é o
desconcerto. A harmonia some com o ar vindo do aparelho de
ar-condicionado, barulhento e de ar quente espalhando mofo. A bilheteria
perde receita, mas inventa recobrar os ingressos do que já pagaram,
como última alternativa. A nau está encalhada.
Lá fora a polícia e a promotoria portuária atuam seriamente e a Justiça vira a única chance de vingança popular.
Os
ribeirinhos aguentam, toleram, aguardando o fim da ópera bufa vista na
nau pirata. E a visão promovida só existe porque a imprensa e a TV se
interessaram pelo sensacionalismo momentâneo, parcial e lucrativo.
Talvez alguns não hesitariam em ajudar a silenciar tudo, se fosse esse o
interesse.
O
histórico da nau aponta que a mesma desde há muito tempo, já era um
castelo flutuante, sendo a habitação divina de famílias ditas “nobres'
que viviam em décadas de euforia e deslumbramento. A farsa chegou ao fim
na época da informática a favor do controle externo da Adm. Pública. O
cruzamento das informações. O esquema todo não contava com o
parelhamento da Polícia Federal e do Ministério Público.
O
tempo de fascínio, euforia, sensação de poder ilimitado, o
deslumbramento dos megalomaníacos, hedonistas, individualistas e
impunidade está em crise histórica. Talvez esteja sendo promovida a
última regata dos resquícios do Império na República Nova, onde o
coronelismo ainda manda.
Talvez
a identidade dos ribeirinhos com a dos eleitos e seus nomeados podemos
sintetizar no sonho cultural de "agora eu vou me fazer" . talvez isso
tudo possa enfrentar um choque e significar uma troca de paradigma e
isto sirva de modelo para as novas gerações, mostrando a elas que há
consequências para a Nação, que há punição e que hoje estamos mudando o
Brasil.
Os
ribeirinhos pregam o fim deste teatro medíocre e oficial; é o que diz e
deseja o silêncio barulhento na mente de cada ribeirinho. A vontade de
colocar fogo na nau é geral e popular, mas contida pelo caráter
pacificado dos ribeirinhos, esfomeados e cativos de suas contas e
responsabilidades. Tal vontade impera mas é transferida para as
instituições, a Lei e a Justiça.
Talvez
a punição inédita na nau e seus portos, possa acabar com cultura
política e suas mazelas bem como costumes tecidos ao longo da história,
num sistema de propinagem, entrelaçamento de acertos em proveitos
pessoais, troca-troca de cargos, nomeações e benefícios asseguradas por
proteção mútua e pela prometida impunidade. Será então um novo tempo, um
em que a terra possa prevalecer, trabalhar para produzir e ter
segurança e estabilidade num objetivo comum de preservar a Nação, a
Pátria dos honestos, não mais a nau dos piratas, feita para/ por/ pelo
bem de tais piratas reais, bucaneiros e flibusteiros, onde o teatro é
ainda o de peças da nobreza nos corredores de palácios, sem qualquer
transparência, onde tudo se faz e tudo se esconde numa verdadeira
monarquia republicana, esta protegida ainda pela burocracia.
Ou a energia das Instituições, ainda preservadas, acaba com esta nau ou ela acaba conosco, hipótese já em curso.
Esta
nau e esses piratas, acostumados a um modo de ser histórico e intocado
por séculos, desta feita arruinaram o mar, a terra e os céus. Gerações
futuras sentiram os efeitos graves de sérios dos erros de fundo.
Poderá
ser um novo tempo sem eles, mas o povo pagará por tudo. Perderão suas
empresas, seus salários, suas chances de vida, carros, estudo e a vida
se amoldará às dificuldades. Nas páginas da História, ficarão
registrados os momentos que detonaram parte do tempo futuro.
Odilon Reinhardt.