quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A nossa República do Atlântico Sul



Nascida de dentro da Monarquia como concessão desta e também da esperança de pequenos grupos de intelectuais para novos tempos e do atingimento da liberdade do cidadão ou talvez de seus desejos pessoais de obter cargos de autoridade e poder político, a República surgiu, fazendo desaparecer da noite para o dia o antigo e secular regime monárquico. Numa noite de quartelada, desaparece o Império e surge a República no Rio de Janeiro, sem que o povo soubesse do que se tratava e quais seriam as vantagens e desvantagens de tão radical mudança. O povo, alienado, ignorante e analfabeto dormia. As províncias nem sonhavam com tal alteração da ordem e viviam isoladas no meio do mato. Em alguns lugares do sertão verde, imigrantes italianos, alemães e poloneses já existiam em colonias e tentavam montar sua estrutura de sobrevivência sem qualquer auxílio oficial. Para eles como para o povo em geral, Monarquia ou República não alteraria em nada a necessidade de construir e progredir. Não se importavam com o poder e tinham que prosseguir para se livrar da miséria.

O Brasil acordava tonto e despreparado. Só conhecia a Monarquia, nada sabia do que e como seria a República. Barões, Duques, Viscondes e suas famílias perdiam seus títulos, ruas trocavam de nome, surgia toda uma nomenclatura diferente para órgãos públicos. A mudança era radical e feita sem qualquer planejamento. O Brasil dormiu na Monarquia e acordou para uma República improvisada.

O país, gigante em território, tinha uma Nação pobre, pequena, analfabeta, com muitas realidades em formação. O tempo era agora para ser outro, novo, e a sociedade civil estava no comando. A transição e a consolidação foi feita com luta e sangue, por conta do sanguinário Floriano Peixoto. Surgem partidos políticos, a luta pelo poder se instala, ocorre a revolução dita federalista. O ser humano, entre eles escravos e cidadãos, no entanto, ainda tinham a postura de uma vida monárquica e um pequeno grupo de descendentes de portugueses no poder era quem se apoderava das oportunidades econômicas e comerciais. O povo continuava ignorante e alienado. Quem se beneficiou da Monarquia agora era dono da República.

Com os primeiros anos do novo regime, surgem os desacertos econômicos, nem Rui Barbosa livra o Brasil do caos do marcado financeiro, é feito o loteamento do Brasil para investidores estrangeiros extrativistas, há a adoção de modelos alienígenas por pura macaquice eufórica, a máquina do Estado brasileiro já torna-se gigante, toma o mesmo lugar do Império e cria e atola-se numa burocracia ainda maior e dispendiosa, deixando surgir a corrupção. O Presidente era tomado por verdadeiro imperador, só que mais nervoso, mais agitado, preocupado com a política e a reeleição no jogo de partidos ainda dominados por antigos coronéis de terra, barões e outros membros da nobreza imperial.

Ao início, a República ocupa-se ainda com o poder dos coronéis de terra nos Estados, o que só diminui com o sepultamento da República Velha. Em 1922, a Semana de Arte Moderna é expressiva; marca o rompimento dos intelectuais do Rio de Janeiro e São Paulo com o velho, em troca de sinais de um Brasil mais moderno, rompendo com a influência europeia até então. O Brasil quer ser Brasil, que se livrar do francês e do inglês. Dez anos após surge a Ditadura de Getúlio Vargas que fez o Brasil popular do século 20, com implantação de reformas, leis e códigos. O Ditador não deixava de ser o Imperador moderno, militaresco, fascista, mas aclamado e festejado pelo povo.

A luta da Nação era reduzir o analfabetismo, reforçar a qualidade do cidadão, acabar com os resquícios da escravidão e do servilismo doméstico e sua força de trabalho. O cidadão tinha que ser produtivo em nome do Brasil. O país era católico e a família era o seu centro. A vida era regida pelo Código Civil de 1916 e não havia dúvida de quem era homem ou mulher.

Ao longo dos anos a República promoveu o progresso material do país. Extraordinário, inegável. Compare-se o Brasil de 1910 ao de hoje em termos materiais. Ocorreu a interiorização, surgiram milhares de cidades no país, a economia cresceu, novas estradas, estradas velhas foram asfaltadas, desejo de ter luz e água para todos, indústria nacional, indústria rural, o Brasil livra-se de ter como únicos produtos de exportação a madeira, a erva mate, o café, a cachaça e o açúcar. Surgem as fronteiras agrícolas e a soja. Os minérios são fonte de riqueza a ser exportada. A Ditadura Militar de 1964 traz o militarismo, mas também o progresso na infra-estrutura. Mega investimentos, Itaipu. O Endividamento externo e o caos criado pelo Choque do petróleo e 1974, sepultaram os planos militares para o país que mergulha sua economia em uma grave crise até 1994, já sob a vigência da Constituição cidadã de 1988.

Na esteira do progresso material, no entanto, durante mais de 80 anos foi-se aceitando mentalidades diversas e daninhas fornecidas pelo individualismo egoístico e pelo materialismo como direção de decisões em detrimento do humano. A falta de uma orientação mais forte e de caráter favoreceu a entrada de modelos servis e contrários à Nação e suas características. O analfabetismo e o tendencioso interesse comercial de muitos visaram o imediatismo e esqueceram que o país é feito de gente e de uma Nação para sempre. Assim, interesses mesquinhos e de momento privilegiaram decisões estratégicas que repercutem até hoje. É visível que o de planejamento humano de longo prazo ficou prejudicado, afetou e afeta a vida do país por décadas e hoje temos o que temos, cidadãos em confusão e uma mão de obra precária e sem qualidade.

Assim, fica manifesta a consequência de o planejamento ter sido deixado ao sabor de cada Governo e suas prioridades partidárias ou até mesmo a falta de planejamento e da falta de democracia. Isto faz com que de certo modo a arrogância monárquica ainda exista, camuflada nas lideranças tradicionais e na mentalidade dos coronéis de partidos políticos em seus Estados. O autoritarismo sobrevive em cada Estado e o povo continua alienado, agora semi-analfabeto, mais exigente e mais insatisfeito. As pessoas não deixaram de ser autoritárias em seu comportamento em relação ao Próximo. É um autoritarismo do bronco, do semi-ignorante, do pouco esclarecido, do que não tem flexibilidade para mostrar ou aceitar alternativas. Qualquer tentativa de negociação descamba para demonstração de poder e autoridade. Grupos radicais proliferam em vários campos de atuação, tentando impor suas ideologias de controle de poder e domínio da sociedade. Algo arcaico. Através de modelos de gerenciamento em empresas privadas e públicas e na Administração Pública é possível ver o reflexo deste autoritarismo na postura gerencial e pessoal. Muito é gasto em treinamento nas empresas para mudar isto. Subsiste a postura imperial de poder, baseada em imposições de ideias e pela manipulação política a nível partidário ou pessoal. Isto sem esquecer que o elementos pinçados do povo pelo processo eleitoral passam a ocupar cargos públicos ou exercer o Governo com a mentalidade de “ agora eu vou me fazer” e com o interesse de garantir a reeleição. Não gostam de oposição nem qualquer tipo de transparência ou exposição que revelem seus planos. Nos órgãos públicos desde o início criou-se uma nobreza intocável mantida com altos salários, mordomias e uma casta nomeada sem concurso público, constituindo um exército de assessores e assistentes em cargos de confiança. E ainda há nas cidades o privilégio do sistema cartorial do Império, com oficiais de registro e tabeliães com seu loteamento invisível da cidade. Mencione-se também o sistema de escolha para nomeação de cargos no Governo e em empresas estatais e de economia mista. Há uma nobreza beneficiada e privilegiada ainda em o plena República. No Poder Público, muitas destas pessoas intocáveis, estáveis e irremovíveis declaram publicamente que não estão nem aí para o povo e a opinião pública.

Do índio na Amazônia ao mais preparado executivo financeiro na Avenida Paulista, há inúmeras realidades no país, o qual ainda vive em realidades diversas, muitas ainda de 1850, 1910, 1950 etc. No geral o país é rico, é maravilhoso em Natureza, um paraíso terrestre, um encontro de povos em uma idiossincracia de liberdade jamais vista na Terra. Todos que aqui vem elogiam o país e suas paisagens, a alegria e desprendimento do povo. A visão do Corcovado para a cidade é paisagem sem igual. É coisa de Deus. Mas lá embaixo, o berço da República mostra seus problemas no dia a dia. Problemas ali são exemplo do que ocorre em todas as cidades do país com maior ou menor intensidade. O Rio de Janeiro, capital da moda, é modelo hoje da problemática e da tendência nacional.

Ressalta-se a infraestrutura sempre feita com obras casca de ovo, fracas, sem durabilidade, fontes de desvio e superfaturamento, insuficientes para o longo prazo. Pontes e estradas para o agora eleitoreiro, não para o futuro planejado e consequente e muito menos para servir a pessoa adequadamente.

Se temos amor a nosso país e se queremos evoluir na República, como regime de liberdade do cidadão, temos que tomar providências para eliminar certas tendências e problemas essenciais. Neste sentido surge a educação, hoje bastante afetada pela troca de modelo feita pelo regime militar na ditadura. Acabou-se com o modelo enciclopédico francês de formação integral do aluno na ciências e sabedoria acumulada pela Civilização para dotar o curriculum mínimo de Português, Matemática, História e Geografia, sob a justificativa de democratizar o ensino. Nivelou-se por baixo. Acabou-se por 20 anos como o ensino da Filosofia, exterminando a educação baseada num espírito crítico e analítico, isto para que o regime militar não sofresse contestação. No mesmo sentido o controle de natalidade, já que o regime militar fechou o país e era necessário manter a população em certos números. Um erro essencial e que prejudica o país até hoje. Sempre o Brasil copiando modelos alienígenas, impostos ao povo e sem qualquer interesse humano.

Evidentemente que a histórica variação ou inexistência de planejamento tem suas consequência no indivíduo. Este pensa, reage, amolda-se ao momento, tornou-se um seguidor e um tarefeiro tocando a vida como ela vem. O individualismo e o materialismo que foi sendo intensificado dentro de um capitalismo desvirtuado tem consequências graves. O capitalismo tupiniquim, sem pé nem cabeça, é movido por pessoas comuns num sistema de oportunismo, de ganha-ganha, de vantagens sem ética nem moral positivas, com uso de má-fé, com práticas comerciais inescrupulosas e anti-éticas, perpetuadas pela própria população em seus negocinhos e empresas para sobreviver. O Poder Público, que ainda não é do público, não pode acolher a todos em seus quadros, embora haja quem assim deseje em sua fantasia.

Instalou-se um modo de vida e ser na República. Consequência ou causa de nossa negligência em permitir a descaracterização de certos princípios, inclusive cristãos, que norteavam a vida e que agora parecem estar desaparecendo, deixando a Nação atônita e sem boa referência. Todos somos culpados, mas ainda há tempo para definir rumos.

Evidentemente a situação agrava-se a cada dia quando pensamos em consequências outras como a dos erros do passado em termos de alimentação e hábitos de consumo impostos à população, hoje com reflexos nas contas públicas. É o caso do muito bem explorado charme de fumar que nos anos 40 e 50 fazia a cabeça de muitos e que agora gera uma conta enorme nos hospitais e a morte precoce de muitas pessoas. A dieta com base em açúcar, sal, leite e seus derivados e o trigo com consequências maléficas para tantos que hoje lutam contra a pressão alta e o diabetes. Tudo feito para beneficiar interesses de coronéis do gado, do sal ,do açúcar, do café que com seus recursos dominam o Congresso Nacional e a política. Mas é o cidadão que sofre e é o cidadão que diminui a força de mão de obra nacional. Sem espírito crítico, o cidadão vai ficando doente, gordo, e menos produtivo.

Militando contra tentativas de reação para melhora, encontramos as marcas da tendência filosófica do chamado pós-moderno que atingem em cheio a juventude atual e algumas gerações já passadas, fazendo-as crer que vale a pena não se entregar a causa ou instituição alguma; que tudo é passageiro e sujeito ao obsoletismo tanto no campo das coisas como no relacionamento pessoal; que nenhuma instituição atual merece crédito ou sua dedicação; que o passado deve ser contestado e nela não há nada para ser aprendido; que a vida é passageira e nada vale tanto a pena; que o Próximo é um concorrente e um rival; que o Estado é uma instituição para poucos e contra o povo etc, e que deve ser diminuído; que o ideal é cada um por si como um indivíduo que se gera e se basta sem precisar de ninguém; que não é preciso mais se aprofundar em nada, pois duas ou três linhas são já um livro suficiente sobre qualquer assunto.

Nesta vertente de pensamento encontramos também o império dos meios de comunicação, fazendo a cabeça da massa, pregando modelos negativos e contribuindo para estabelecer um quadro de coisa-perdida, sem solução. A TV, instrumento efetivo de comunicação, vem auxiliando no ensino da prática democrática, mas mostra a realidade, deixando que o cidadão tenha discernimento para pensar, todavia este, tornado um seguidor, pouco tem se dedicado aos estudos, tendo tornado-se uma vaca de presépio e quando não um mero consumidor condicionado e massificado, impossibilitado de agir e participar da democracia. Mas diga-se, alguém tem alto interesse nisso tudo e está focado em controlar, pensar e dominar por ele. Uma massa de manobra dos interesses do consumo e este colocado como o elemento central da economia e da vida nacional. Há gente muito inteligente por detrás de tudo isto, mas com referência ruim, norteada por valores ruins. Agora, até mesmo o elemento verde, o meio ambiente, é usado pelas empresas como elemento de atração para maior consumo. Só falta criarem a coca-cola verde.



É o elemento básico da República e da Nação que está sendo esquecido, maltratado e negligenciado: o ser humano brasileiro. Este é o verdadeiro centro de consideração, mas vem sendo negligenciado. Apesar de ainda sermos um país cristão, até a religião está sendo utilizada erroneamente como meio de fuga, do mesmo modo que as drogas, as diversões passageiras,inúteis e ineficazes em afastar o vazio que está tomando conta dos Seres. Bens materiais não mudam caráter e educação, caso contrário traficantes com suas mansões e carros de luxo seriam bons cidadãos e respeitados Seres. Na Nação tudo depende do indivíduo, seus princípios, seus valores, seu preparo e referência correta e útil para o país, mas isto parece não ter sido a prioridade no último século.

Diante do quadro resultante de décadas de devaneio e euforia, o indivíduo enfraquece pela mente a Nação, a qual vai perdendo sua identidade, fica para o joguete entre senhores interesseiros. Quem serve a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo geralmente perde-se no vazio da indefinição de suas decisões. No afã de uma solução para o país, ressurge o autoritarismo monárquico, querendo impor soluções únicas e gerais, uma panaceia de solução salvadora e redentora. Inacreditavelmente, há quem defenda regimes de esquerda que descambam para a ditadura sem saber o que o comunismo ou o marxismo representam em termos de escravidão humana.

No fundo, os interesses imediatos, comerciais, políticos ou não, continuam a operar em detrimento de um planejamento mais duradouro, fruto de um pacto social e uma discussão mais democrática do que se pretende para a vida nacional. Sabemos o que não queremos: corrupção, desvios, vidas abandonadas nas ruas e em casas, adolescentes drogados, infância negligenciada etc, mas não sabemos claramente o que desejamos como povo, deixamos que as autoridades decidam por nós. Facilmente nos contentamos com o jogo de futebol, com carros novos, equipamentos novos de informática e comunicação, viagens ao exterior, mas nada disso nos satisfaz com duração. Voltamos ao vazio da dúvida quanto ao futuro pessoal e coletivo.

Enquanto isto, avançam tendência funestas com a fuga dos insatisfeitos. As drogas e o crime progridem mais que o Estado. Decisões públicas continuam a privilegiar o material em detrimento do humano e as pessoas vão se tornando mais calculistas, frias, insensíveis, intolerantes, impacientes, ansiosas, inseguras e insatisfeitas. O Poder Público pensa que pode resolver tudo com obras, esperando também que resolver tudo com obras,esperando também que elas rendam votos imediatos. Mas porque nas manifestações o povo quebra as obras?

Está certo que o trabalho social não rende tanto, é de longo prazo e os resultados só aparecem em outro governo. Os reflexos desse modo de pensar são visíveis, aumentam a violência, o tráfico de drogas aumenta, os crimes hediondos são cada vez mais inéditos, surgem estatísticas agressivas e surpreendentes. Pessoas põem fogo em pessoas, carros e comércio. Há um ódio crescente do Ser Humano contra o seu semelhante. O cidadão tem sua casa violada, suas coisas roubadas. Protestos quebram o comércio, bancos, e equipamentos públicos. Pais abandonam filhos, filhos matam a mãe, homens, exercendo sua liberdade, casam com homens, mas terão filhos e uma família? A violência física e moral é visível, reflexo de pessoas descontentes que querem fugir. E fogem para coisas materiais que não podem manter ou comprar, para viagens que não podem pagar etc. Acumulam demandas de consumo. Mas o Poder Público é cego, continua com seu pensamento que as obras podem salvar tudo, podem ser a redenção de tudo e negligenciam o ser huamno da Nação, provolegiando o material e esquecendo o cidadão alongo prazo.

Diante do amontoado de problemas diários anunciados e divulgados na mídia, cria-se a ideia do imobilismo estatal e sua impotência. A Saúde não dá mais conta dos erros do passado; a Justiça encontra-se abarrotada de processos e não dá conta de uma sociedade violenta e conflituosa; o Pode Público amarra-se numa burocracia sem fim, onde a festa dos meios barrocos atrasa qualquer projeto e só sustenta seu próprio com pouco resultado para a população. A Segurança não dá conta do recado e é diminuta e ineficaz, se a população ou um indivíduo realmente sair às ruas para protestar, invadir órgãos públicos e quebrar tudo mesmo que inutilmente num acesso de fúria.

A deficiência do planejamento no passado agora vê o país dependendo do cidadão e este está insatisfeito, despreparado e vazio na sua maioria. Por falta de estudo e de incentivos ao estudo, não há médicos. Bastou uma pequena bolha de progresso e não há mão de obra técnica; estudantes de engenharia abandonam os cursos quando a cabeça é mais exigida em cálculos. Não há engenheiros projetistas. A estatística aponta que o Brasil está ficando com a população mais velha sem o número de crianças para garantir o futuro produtivo. Talvez sejamos mesmo no futuro o refúgio para coreanos, chineses, peruanos, bolivianos e árabes.

A cada dia confunde-se liberdade com libertinagem, inclusão social com direito a avacalhação de usos e costumes. Na cidade, o crescimento desordenado é feito por pessoas de todos os tipos e origens. Cria-se a ideia de que o território da cidade é ilimitado, é obrigado a receber a todos, tendo recursos, espaço, água para todos. Logo a cidade torna-se uma lugar humanamente saturado. As consequências estão nas ruas, com a população exigindo de tudo e para já sem ter a ideia de possibilidades. Há um quadro que se forma no suplício urbano que justifica a pintura de uma verdadeira Guernica viva, pintada no dia a dia em cores que se deterioram. Os cidadãos andam cabisbaixos pelas ruas, num silêncio esquisito, mas no interior de cada um, há um barulho insuportável, esperando o pretexto para agredir em sinal de protesto individual.

A República brasileira assemelha-se, por enquanto a uma república de estudantes eufóricos e inconsequentes e não a uma Nação. A cidade é sua célula mater e está exigindo um discernimento cada vez maior dos cidadãos além de muitos recursos para o pagamento de impostos, alimentação, saúde, segurança etc. É exigido um discernimento cada vez mais complexo para viver no cipoal dos enganos e truques da cidade. A província engole os provincianos e a República perde pessoas em acidentes, em problemas de saúde, em depressão e insatisfação.

Neste panorama vamos comemorar em 15/11 mais um aniversário da República. Ainda há muito para pensar e tomar providências. A insatisfação pessoal da população é visível, faz o indivíduo perder a visão positiva, há um negativismo planejado que impede a vontade de participar. O reflexo é na vida pessoal de cada um, mas no todo é ruim para a Nação e para a República. O Pode Público em seus três Poderes está atolado em uma burocracia sem igual, dispendiosa, demorada. Faltam médicos para cuidar dos erros da política alimentar, faltam engenheiros especialistas e de projeto, reflexo da cultura do aqui-agora, do tudo transitório, mas há um número excessivo de advogados que alimentam e preenchem a burocracia oficial em sua festa de meios como objetivo final. Burocracia que favorece o formalismo, facilita criar dificuldades para vender facilidades. Há gente de cargo garantido e salário assegurado no final do mês, que incrivelmente engendra redes de corrupção e lavagem de dinheiro em verdadeiras obras primas da malandragem para a traição da Pátria. Planeja assaltos aos cofres públicos. Só pode estar sendo movida por ganância ou uma incontida vontade de fazer dinheiro, já tendo suprido suas necessidades pessoais de acumular coisas e obter segurança material. Talvez gente acometida de megalomania. Talvez gente experta que, se bem utilizada, poderia criar grandes soluções para o país beneficiando a todos, mas não, essa gente prefere ser individualista, materialistas. Até parece que nessa casta há algum tipo de aposta como “ vamos ver quem consegue mais ?” . Um jogo contra o interesse público e o Tesouro.

De todos os modismos e ondas passageiras provocados por interesses de momento a imprensa se vê numa encruzilhada tendo que apelar para o sensacionalismo. Enquanto jornais e TV quase só mostram notícias ruins e de decadência, jornais financeiros só mostram empreendimentos, fusão de empresas, lucros enormes, sucesso, progresso e notícias positivas. Um paradoxo muito fácil de ser explicado. É que alguém está tirando proveito de tudo em detrimento de um povo trabalhador e sofrido. Falam em escravidão, que era uma sistema mundial, seus ranços e ressentimentos, mas ela hoje pegou a todos e não tem cor.

Não é nada agradável ver que o país está sendo construído materialmente aqui e ali com novas estradas, novos edifícios e novas fábricas, mas para serem ocupadas por pessoas com problemas graves de saúde mental e física, pessoas insatisfeitas e despreparadas, pessoas sem muita visão de futuro e sem crença na ideia positiva de progredir, famílias destrosadas pelo egoísmo, pela violência, pelas drogas etc. A infância e a juventude querem modelos para seguir. O que encontram hoje? Qual a natureza e o nível dos modelos existentes?

Será que, se não tomarmos providências para tratar das tendências atuais, teremos escolas a serem frequentadas por alunos revoltados, drogados, ligados no celular, blackbloqueiros? Será que construiremos estradas para exportar produção que passará por favelas rurais de pessoas expulsas das cidades? Será que o tráfico de drogas atingirá o status de Governo informal? Será que as faculdades de medicina e engenharia terão alunos inteligentes e interessados? De que adiantarão todas as construções, se o indivíduo nacional, mesmo que rico ou remediado, estiver vazio, pobre de espírito, talvez já aposentado sem saúde e dinheiro, os jovens sem bom destino e nem vontade de estudar, pessoas em depressão?

Continuaremos nessa enganação de nós mesmos, encolhidos em nossos umbigos, pensando que nada disso tem e trará consequências para nossas vidas e para a Nação? Será que já não estaríamos em outro patamar de progresso humano e material, não fossem os erros do presente e do passado? Não se pode culpar só o Poder Público sem esquecer a participação de cada pessoa nesta negligência geral. A Nação vive de seu lado espiritual e aproveita-se do lado material. Qual progrediu mais em todas essas décadas? Certamente a material.

É de se questionar ao final: qual o resultado desta República até agora? O que obtivemos em termos de Nação? Estamos satisfeitos? Cabe a cada um responder, de acordo com sua consciência e espírito crítico. Só sei que não é possível mais cada uma fazer a sua parte, quando não se sabe onde se está indo ou indo de modo temerário.

Mas no Atlântico Sul tudo pode ser mais devagar, temos tempo para o aprendizado, ainda no geral há um povo trabalhador, empreendedor , com vontade de acumular coisas e ter uma vida confortável. O preocupante são as tendências, mostradas aqui e ali em exceções. Mesmo assim, a diversidade da vida no país é enorme e no dia a dia pode ir nascendo soluções mais positivas.


Odilon Reinhardt