Revendo obras que se deve ler, há uma muito inspirada, o livro “Um tempo para si “, que coloca ao leitor o seguinte: “dar um tempo para si. Sentir o sol interior. Sem dó de gastar o tempo”. O livro de poesias e textos de Reinaldo Godinho é descomprometido e faz pensar sem perder sua suavidade, remete a aspectos profundos do nosso viver.
É um livro para descansar os olhos. Mas para mim, as linhas acima provaram uma reflexão e uma interpretação muito além do que o autor do livro possa ter pensado. São linhas que retratam uma realidade com significado marcante, sobre a qual venho refletindo, especialmente nos dias que vão formando os atuais.
Na correria diária, cheia de tarefas e obrigações, a pessoa está afinal como ha queriam: bitolada, cheia de afazeres menores, robotizada, massificada e condicionada. É uma pessoa usada como mero consumidor. Tendo liberdade para consumir o que lhe mandarem subliminarmente. Portanto, o que era um ser livre passou a ter uma liberdade outorgada.
É de se pensar se esta pessoa aguentará por muito tempo. Certamente não. A saúde pública já está comprometida em orçamento e espaço; aumenta a silente reação. Há um certo caos anônimo. Os dramas individuais são mantidos como tal e nunca se aponta o sistema de vida que está abatendo a todos.
Atacar o sistema é vago, filosófico, algo intangível, inacessível à grande maioria das pessoas. Ir contra o governo é inútil. O Governo é feito de passageiros ocupantes do poder com suas missões partidárias feitas para evitar perder eleições. Todos, em uma sucessão, já pegam o bonde andando. Atacar a estrutura democrática existente, que ouve mas não escuta o cidadão, é inócuo.
Atacar os políticos é ineficaz e assim por diante. O fato é que permanentemente ocupados, temos todos o medo social de falar, de se expor porque sabemos que seriamos facilmente vencidos por vários meios. Mas o tema é recorrente e está na realidade diariamente. Não seria importante se a insatisfação social não existisse e não desaguassem numa somatória de atitudes das pessoas, todas fazendo sintomas graves e inaceitáveis.
Os sinais de stress coletivo estão visíveis. É só olhar os exemplos da realidade e observar que a pessoa não está mais aturando, no entanto, ela vai aguentando. A rotina e toda uma quinquilharia de afazeres e dificuldades ocupa todo o tempo e não há mais tempo para si.
E se não há tempo para si, também não há tempo para mais ninguém, para a família, para os amigos, para nada. Um indivíduo mantido em tal torniquete, não dispõe de tempo para certos fricotes como: pensar, criticar a realidade, ter ideias, participar, propor, reclamar, ver a vida, olhar a natureza, ter momentos para si.
Como desejar que um Ser tão amassado deixasse de ter dentro de si um vulcão prestes a explodir? O relacionamento com as outras pessoas e a convivência certamente ficam em qualidade precária e sob constante ameaça, a menos que a insensibilidade já esteja em tal patamar, que exista uma anestesia generalizada. Esta realidade ainda não chegou a tanto.
No todo há uma sociedade em risco. O Ser Humano anda olhando para baixo e com medo do Próximo. Com certeza, uma pessoa mantida em permanente stress e problemas financeiros não pode mesmo dedicar-se a si ou ao Próximo.
Na pior das hipóteses fica mais fisiológico, como última força possível, esconde-se no egoísmo e no individualismo e facilmente reage indevidamente. Há o medo de perder ou de não ganhar e as comparações, a competição e a concorrência dançam a festa dos horrores no dia a dia, sustentado pela inconsciência das pessoas, sob a batuta de um sistema de comercialização contestável e políticas errôneas sob o ponto de vista humano. Isto faz ambiente fácil para o indivíduo acabar elaborando sua própria ética e moral em total divórcio do contexto e das demais pessoas.
O individualismo e o materialismo estão conseguindo fazer do indivíduo o que desejam. Um Ser triste, silente e uma vaca consumidora, com etapas programadas e manipuladas. Os governos, um atrás do outro, todos reféns de uma estrutura econômica, defrontam-se com um problemática quase sem solução e contam cada vez menos com ideias boas vindas do cidadão.
O Ser Humano, a pessoa, é a esperança da Humanidade e seu destino. Mas com estamos indo, a pessoa não tem mais o porquê de ter tempo para si, pois talvez não saiba o que fazer com tal tempo, o que aumenta a sensação de inutilidade, de agonia e ansiedade pessoal. Farto de tudo, uma reação é ficar forçosamente inoperante e estagnado na frente da televisão ou do computador.
O tempo para si, que poderia ser preenchido com algo positivo, saudável, construtivo, acaba sendo preenchido com preocupações, ansiedades, dúvidas e conflitos com o próximo e dúvidas. Todas consequências e reações de uma cegueira dada pela inconsciência.
Evidentemente, este espaço ocioso não deixa de ser preenchimento, pois já foi estudado e é preenchido com algo já padronizado, tipo pão e circo, como válvula de escape social. O indivíduo tão importante por seus talentos, sabedoria e potencial infinito de criação, já está totalmente esquadrinhado e classificado em todas as suas necessidades e manifestações humanas; todas rendem algo em termos econômicos.
Há também fugas, nas quais a pessoa pensa estar livre, mas que na informalidade econômica é mais perversa do que tudo. Neste campo há todo um mercado informal em vários ramos, com receita crescente e reflexos sociais de grande porte, que estão sendo pagos com recursos formais.
Os resultados acabam por ressaltar que a pessoa está mesmo sendo conduzida por uma realidade feita e planejada dentro de uma programação de tarefas distante da própria pessoa, com enormes prejuízos para ela e seu círculo de conviventes. A sociedade perde colaboradores a todo minuto. As soluções coletivas para aprimorar o modo de vida produtivo ficam cada vez mais distantes e certamente concentradas em algumas pessoas, ressaltando a perda de liberdade e o aumento do autoritarismo.
A agenda de todos é feita pelos outros, de modo intenso, e não pela própria pessoa numa condução, por vezes absurda e sem amor à Pátria, sendo mais um fator de insatisfação e sufoco.
Tudo isto e a falta de tempo para si geram outras “doenças” como a intolerância, a falta de paciência, a ansiedade sem fim, o culto à aparência, tudo em detrimento do conteúdo de qualidade. Qualquer resultado já é esperado antes dos meios. Não há tempo para os meios, o importante é um contato superficial, meias verdades, meias informações, sem muito compromisso, quanto menos relacionamento melhor.
Mas o próprio sistema montado começa a sofrer seus revezes, porque a mesma pessoa que está bitolada e condicionada, acaba arruinando o consumo, integra mão de obra defeituosa, reduz a força do trabalho, desiste de comprar.
Observe por exemplo, que é comum a pessoa utilizar só as funções básicas de toda a parafernália de equipamentos empurrados para a venda; acaba ficando preguiçosa, pois não gosta de escrever e ler mais do que 3 linhas no e-mail, Facebook, Twitter e etc... Acaba ficando sem paciência para qualquer assunto mais elaborado, que lhe retire o tempo de alguma das atividades feitas para lhe ocupar o tempo.
O medo é de perder o tempo. Dedicar-se a algo complexo, nem pensar. O negócio é estar em todas e em nenhuma em especial. Nasce a geração da cópia e cola. Nasce também um sintoma mais grave, o da saciedade passageira e rápida. As pessoas enjoam rapidamente dos produtos e querem mais, algo novo, mais novo, o mais atual possível.
Surge à cultura do já-vi. A obsolescência e a transitoriedade forçada são antropofágicas e ameaçam o próprio sistema, criando sua instabilidade. Estão abusando do Ser Humano, e esquecem que ele pode deixar de consumir, pode começar a faltar ao trabalho, pode desistir. Quem vai ganhar com isto?
Ademais não há estímulo algum para desenvolver o espírito crítico. Nada se cria, tudo se consome prontamente. E é esta a liberdade que querem defender? Pessoas condicionadas e robotizadas para consumir. Estas pessoas é que vão decidir, votar, participar das grandes questões do país, tentando melhorar o sistema? Claro que não serão elas, pois serão todas colocadas na posição de meras seguidoras, pessoas ocupadas, cansadas, entediadas e ensimesmadas.
Como aceitar que uma pessoa só será feliz se tiver coisas acumuladas? Seria o porte de um celular de última geração, sinal de modernidade e atualização pessoal? Tornar os jovens e adultos do país um grupo de operadores e digitadores, presos a equipamentos gráficos e de comunicação, sinal de progresso? Cada pessoa que pense se isto está certo e deve continuar sendo aceito.
Sem a participação de cada pessoa, como poderemos garantir a democracia? Como evitar que a solidariedade, a boa fé etc... Não sucumbam perante o individualismo, sua frieza perante o Próximo? Todavia, do modo como vamos, só podemos ver o vazio, o abandono, a exaustão, o cansaço e o desinteresse. Pior, a descrença e a desistência da vontade de cooperar, contribuir para melhorar a nação do mundo, com vida positiva e construtiva. Um país de seres estressados aos poucos vai contaminando e acaba por entregar a Nação.
Se nada pensarmos, o país vai entrando em etapas que se afastam da Nação. Pessoas mais insensíveis, mais ocupadas, mais atarefadas com coisas menores, sem paciência, sem tempo, mais ansiosas, mais atazanadas, mais doentes, financeiramente arruinadas.
Já há tantos exemplos de pessoas insensíveis, que são capazes de serem anti-héticas e imorais, com atitudes tão automáticas que já estão incorporadas ao Ser com reflexos imediatos no mundo do Ter. Exige-se das pessoas um discernimento que lhes foge todo dia; o cidadão atônito e despreparado não tem todos os meios para filtrar todas as fontes de oferta. A cidade vira arapuca cheia de armadilhas, onde o Ser Humano está ficando confuso e insatisfeito, face os meios de comercialização e oferta de produtos, numa obsolescência programada para as coisas, o que erroneamente acaba transpondo para os valores morais e éticos, os quais são mais duráveis, dando mais estabilidade ao indivíduo.
Aos poucos se percebe a quantidade vencendo a qualidade em todos os setores, a forma vencendo o conteúdo. A vulgarização e a banalização das consequências. Se querem saber do futuro, basta verificar um pequeno detalhe, olhem a mão de obra especializada vindo de fora. Universitários e profissionais do futuro, se não sabem o que isto significa, sintam o tempo, o sol interior, pensem que terão dó e muito de si será ainda muito mais triste, se nada for feito. Mas se não tiverem tempo para si, deixem tudo como está, alguém fará alguma coisa, alguém sempre faz ....
Este tema está longe de terminar, exigiria muitas páginas. O que se pode recomendar é que cada pessoa pense, invista no tempo para si. Habilite-se para criticar, pensar e participar com ideias, nosso país vale tudo e com muita dedicação nossa Nação poderá mostrar quem é e não só o que tem .
Odilon Reinhardt